terça-feira, 1 de outubro de 2013

Diálogo entre Paul Ricoeur e François Furet

Ricoeur: Veja, Furet, como estão cheias as arquibancadas!
Furet: Pois é, Ricoeur, veja onde fomos nos meter! Numa final de Copa do Mundo! E não uma final qualquer, mas sim uma entre dois grandes do futebol mundial — e ainda por cima uma da qual a nossa França nem está participando!
Ricoeur: Com efeito, Furet, a situação beira o absurdo... tanto mais pelo fato de que, em 2014, eu e você já devíamos estar mortos...
Furet: Sabe o que me deixa surpreso, Ricoeur? Nestas plagas o futebol quase adquire o status de uma religião civil... há templos, sacerdotes, rituais... até divindades próprias! Você não acha isso intrigante, Ricoeur?
Ricoeur: Ah, sim... não que na França tais manifestações não existam de todo; lá, elas só não são o credo predominante...
Furet: Certamente.
Ricoeur: Diga-me, Furet... você acha que o futebol também pertence à História? Isto é, deve o historiador se voltar para manifestações tão restritas no tempo e no espaço? Será que a compreensão destes fenômenos coletivos não estaria ao alcance somente da psicologia social? É o tipo da coisa que um Halbwachs deveria fazer, não um Braudel...
Furet: Eh, veja, Ricoeur, acho que todos os fenômenos que dizem respeito ao homem são dignos da atenção do historiador.
Ricoeur: Hum, de acordo, Furet, de acordo... mas, então, que tipo de conhecimento sobre as sociedades humanas o historiador pode abstrair de uma partida de futebol como esta? E como ele deve proceder diante dos dados?
Furet: Trinta anos já se passaram desde que escrevi aquele meu livro lá, A oficina do historiador, mas juro que não consigo abandonar a ideia de que a história serial se afigura como um dos horizontes mais promissores para a atividade do historiador...
Ricoeur: Hum... você gosta mesmo de falar de história demográfica, hein?
Furet: Sem dúvida, Ricoeur, sem dúvida!
Ricoeur: E você acha que esses dados são passíveis de tratamento estatístico?
Furet: Bem, somente aqueles dados que puderem ser quantificados e reunidos em conjuntos de séries relativamente homogêneas, comparáveis entre si.
Ricoeur: E o que esses dados podem nos dizer sobre uma sociedade humana, Furet?
Furet: Não sei, Ricoeur. Um antropólogo ficaria perplexo diante deste espetáculo que nós temos à nossa frente: dependendo do repertório teórico dele, ele iria querer saber qual a função do futebol — ou de qualquer outra prática esportiva — nessa sociedade, o que elas significam para os participantes... já um estudioso da história econômica iria querer analisar o impacto da Copa do Mundo na economia local e, quem sabe, comparar os resultados aos dados obtidos de outras copas do mundo de anos anteriores...
Ricoeur: Curioso...
Furet: Algum historiador social poderia tentar identificar quais grupos sociais têm uma ligação mais visceral com o futebol, ou então se há alguma correlação entre o crescimento econômico de uma região e o número de pessoas que vão assistir às partidas nos estádios...
Ricoeur: De fato, de fato...

Furet: E, é claro, para além da história serial, ainda é possível tentar entender estas manifestações coletivas sob o prisma das identidades sociais, quem sabe até compará-las ao nacionalismo ou aos cultos populares, como você mesmo falou. Pode ser até que algum especialista em estética já tenha tentado elaborar uma teoria estética do futebol e você nem esteja sabendo... mas aí, eu confesso, já não é mais a minha praia, Ricoeur. Eu entendo mesmo é de Revolução Francesa. 

Um comentário:

  1. Nesse texto, Ricoeur acabou ficando sem fala! Trabalhou bem as ideias de Furet, mas poderia ter desenvolvido mais a questão da narrativa.

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