segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Teoria no Maraca



Apitou o árbitro. Fim de jogo no Maracanã. Ninguém esperava uma final de Copa do Mundo com um jogo tão morno. Brasil e Uruguai que se enfrentavam novamente numa final de Copa, no mesmo estádio, 64 anos após o primeiro embate decisivo, no ano de 1950, acabam de empatar a partida em 0 x 0. Não há outra solução e a posse da taça mais cobiçada do mundo do futebol será decidida nas penalidades máximas.
Enquanto jogadores vão descansar à beira do gramado, goleiros rezam sozinhos e os técnicos definem os batedores, dois amigos franceses conversam na arquibancada do Maraca: o historiador François Furet e o filósofo Paul Ricoeur.
Ricoeur: - Mas que jogo chato foi esse François? Nem um gol, poucos lances dignos de aplausos, uma verdadeira decepção essa final.
Furet sorriu e disse: - Concordo amigo Paul, mas abro uma exceção quanto à chatice do jogo. Aposto que quem ouviu o jogo pelo rádio deve ter passado por boas emoções. Isso se as rádios aqui no Brasil forem iguais na França, que narram um lance que está acontecendo no meio de campo como quase-gol.
Mal acabou a frase, Furet teve uma ideia provocativa ao seu amigo e disse com ar irônico: - Ou eles gritariam gol com uma quase-narrativa?
Ricoeur aos risos disse: - Até no estádio você vem com essas provocações François?
Furet: - O seu livro - que você deu de presente pra mim - ainda me intriga em certas partes. Só isso. Principalmente essa questão da narrativa.
Ricoeur: - Veja bem Furet, me ocorreu agora à ideia de tentar te explicar esses meus apontamentos utilizando como exemplo o futebol, essa partida. Talvez você consiga compreender melhor, assim espero...
Furet: - Vamos lá Paul, temos dez minutos antes de começar os pênaltis.
Ricoeur: - Em primeiro lugar é preciso saber que toda história é narrativa...
Furet: - Ah, calma lá Paul, assim você confunde discurso historiográfico com discurso ficcional.
Ricoeur: - De forma alguma. Não confundo História e Ficção. A narrativa histórica deve se inclinar para algo real do passado. Sendo assim, qualquer tipo de análise histórica sobre esse jogo tem que ser narrativa.
Furet: Mas seria a história de um evento, uma história factual. Fazer esse tipo de análise é retroceder ao século XIX e já...
Ricouer (interrompendo): - Sei em que você quer chegar. Na história-problema, na longa duração. Mas mesmo a chamada “história de longa duração” é constituída de eventos, portanto de narrativa. O equívoco está em definir o evento como extensão de tempo, quando na verdade ele é definido pelo poder de mudança que ele tem no interior de qualquer narrativa. O último pênalti das cobranças será o principal evento de toda essa Copa do Mundo, da mesma forma que esse jogo pode vir a ser um dos principais eventos da História de todas as Copas que já ocorreram.
Furet: - Interessante. E se eu disser que estou aqui porque estou preparando uma análise de todas as Copas do Mundo, a partir de séries homogêneas e comparáveis delas?
Ricoeur: Ótimo François. Ainda assim é narrativa. Narrativa histórica. A grande questão é que você não pode retirar o “homem” dessa sua narrativa. A inteligibilidade histórica não pode excluir o ‘vivido’. A história não estuda a ação? Cada escolha, de qualquer jogador no jogo foi importante para o placar ter sido nulo. Um cruzamento mais aberto ou um passe mais arriscado poderiam ter mudado o placar. Os pênaltis que jaja começam também não é? São definidos em função da escolha do batedor e do goleiro.
Furet: Sim Paul. Entendo a história como arte da narrativa também, apesar de crer que ajuda na explicação da história e não na compreensão do vivido como percebi nos seus comentários.
Ricoeur: Sim, para entender o que pensei sobre história nesse sentido é preciso falar sobre as mimeses. Eu por exemplo vou contar como foi essa partida nas minhas aulas. Para isso preciso ter consciência dos objetos do mundo, a intratemporalidade. A partir do campo prático faço a mediação entre a prefiguração desse campo e a refiguração pela recepção da obra.
Furet: Continuo sem entender e os pênaltis já vão começar, ande logo porque não quero conversar sobre isso tomando cerveja na Lapa.
Ricoeur: Eu como autor, configuro minha fala para os alunos, mediando o próprio Viver com a vida do ouvinte. Se ao invés de falar eu escrevesse um texto; este não seria senão um pretexto para a interpretação. O que quero dizer é que o leitor produziria o significado do texto que eu escrevi. Cada um produziria significados diferentes e poderiam se lessem de novo e de novo ter outras percepções e produzirem outros significados. Assim aprendendo a viver compreendendo a narrativa o leitor a devolveria ao vivido. Esse é o círculo hermenêutico que utilizo para tentar dizer que a história é a compreensão do vivido.
Furet: - História Mestra da Vida?
Ricoeur: - Sim, não para apenas um grupo de pessoas, mas para o ser humano em geral.
Furet: - Pois bem Ricoeur, ainda preciso de mais explicações. Mas os pênaltis tão aí...
Ricoeur: Até que enfim...

Referência Bibliográfica:
- Paul Ricoeur e a Narrativa Histórica. História, Imagem e Narrativas, nº12, abril/2011 – ISSN 1808-9895 – http: www.historiaimagem.com.br.

2 comentários:

  1. Bom texto! Abriu mão de fazer uma narrativa mais ficcional, interrelacionando os conceitos aos acontecimento de jogo fictício, porém trabalhou bem com os conceitos – vivido, mimese, ação, recepção, leituras em Ricoeur e História-problema em Furet, levando em consideração que este também não excluía a narrativa de suas análises, mas a posicionava diferentemente de Ricoeur.

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