terça-feira, 8 de outubro de 2013

Narração e ação

Como era de se esperar, François Furet e Paul Ricoeur estavam sentados lado a lado no Maracanã, assistindo a final da Copa do Mundo de 2014, Brasil e Uruguai disputando o título. Furet estava lá por seu gosto por futebol. Ricoeur não, nada era tão simples para Paul Ricoeur.
Acontece que os desamores da vida acadêmica acabaram por levar Ricoeur à loucura, fazendo com que se voltasse cada vez mais à existência e à sua espiritualidade aporética. No início não era tão ruim, mas com o passar do tempo começou a ouvir vozes. As palavras de seus mestres ecoavam em sua cabeça, seus pensamentos tornaram-se circulares – não círculos viciosos, sem vida, mas círculos crescentes que, como uma bola de neve transformada em avalanche, tinham tremendo potencial destrutivo. Um dia Heidegger apareceu em um sonho e disse que o que importava mesmo era a intensidade das coisas. O renomado intelectual não se esqueceria daquele sonho – haveria de viver a vida ao máximo, ampliando intensamente sua consciência temporal, vivendo na memória as graças e desgraças do que passou e esperando, angustiado, as possibilidades de vida e morte que o futuro lhe reservava. Ricoeur não vivia apenas o presente, a partir deste vivia também passado e futuro. Seu vício em vida o levou a buscar as mais intensas experiências e nada poderia ser mais intenso que o final da Copa do Mundo no Brasil, por isso estava lá.
R- Ó Deus, me diga! O tempo passa em minha alma ou será minha alma que, atenta, conhece a existência do tempo? Por que? Por que o primeiro tempo não acaba nunca?
          Furet não reconhecera Ricoeur, cuja loucura acabou por transformar completamente a aparência: o rosto velho tatuado com as palavras “lealdade, humildade, procedimento”, a barba longa pintada de verde e amarelo, as robes de monge... Achou melhor ignorar o maluco.
            Ricoeur, contudo, sabia quem era o homem ao seu lado.
            R- Sabe porquê estou aqui, François?
F- Perdão, eu te conheço? Como sabe meu no..
R- Estou aqui para viver o ápice da tragédia! O Uruguai já derrotara o Brasil em uma final de copa neste mesmo estádio. Olhe para o rosto das pessoas, a memória viva desta ferida as persegue hoje. Há infortúnio mais desmerecido que este? Que a repetição dessa bela história? Que estas pobres e nobres pessoas cujo único sentido na vida é o futebol tenham que amargar a derrota mais uma vez? Só seria pior se fosse pela Argentina.
O juiz apitara o fim do primeiro tempo.
F- É, talvez você tenha razão. Seria muito triste mesmo. Ainda bem que está zero a zero, disse sorrindo. De toda forma, quem é você e como sabe meu nome?
R- Eu sou Paul Ricoeur e você é François Furet, o assassino da narrativa!
F- Ricoeur?! Minha nossa, o que aconteceu contigo? E do que você me chamou?
R- Ah, Furet! Continua a negar a importância da narrativa? A se recusar a enxergar como o tempo e a vida dela emergem?!
F- Oi?
R- “O tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal”.
F- Hã?
R- Bonito, né? É uma das idéias centrais da minha obra e está num de meus livros. Não lembro bem da versão original mas sei que o nome em português é Tempo e Narrativa e que as frases que citei estão na página 15 na edição de 1994 da Papirus Editora, é preciso manter a erudição, afinal. Você deveria ler, pode aprender alguma coisa. Contudo, não vou explicar tudo agora, teria que falar do Santo Agostinho, misturá-lo com Aristóteles, Heidegger e sabe-se lá quem mais. Vou é te convencer que não precisa ter tanto medo da narrativa porque, no fundo, é o que você faz profissionalmente.
Ricoeur se pôs a falar, embora parecesse claramente perturbado, suas palavras eram bastante lúcidas. Não é que a avalanche de Ricoeur fazia sentido?
R- Te explico tudo, seu assassino que recusa ver a identidade estrutural entre sua preciosa historiografia e a literatura.  Toda ação humana ocorre no tempo, certo?  Pois bem, a narratividade expressa a experiência humana no tempo. A narrativa que você tanto critica nada mais é do que um tipo de mimese, uma representação da ação humana realizada por meio da tessitura da intriga, pode perguntar pro Aristóteles, embora não possa garantir que ele colocaria bem assim.. Enfim, é o encadeamento lógico e verossímil dos fatos. Não é isso que vocês historiadores fazem? Pois é, toda história é narrativa e se você discorda, azar!
F- Cara, vai com calma! Você vem e me diz que toda história é narrativa, tudo bem! Eu nunca disse que a narrativa não tem importância ou que a história não tem nenhum caráter narrativo. Inclusive está escrito lá na versão portuguesa do meu livro A Oficina da História: “a história oscilará provavelmente sempre entre a arte da narrativa, a inteligência do conceito e o rigor das provas”. Viu? Também tenho boa memória e, mais importante, eu sei que ela está lá... Só não acho que a história deve ser pura narrativa, tem que ser pensada de outra forma, se não fica que nem a história daqueles caras do século XIX, entendeu? Daqueles que pensavam que eventos extraordinários como o de hoje são os únicos autênticos fatos históricos. Assassino da narrativa... cê tá louco! O que eu chamo de história narrativa não é bem isso aí que você fica falando não, é aquela história pouco conceitual mais baseada em momentos que objetos, cujos acontecimentos são somente fatos extraordinários, únicos, cujos procedimentos metodológicos não são explicitados e cuja organização lógica só pode se dar de forma teológica. A história pode ser mais que isso, entendeu? A história quantitativa, por exemplo, é bastante promissora..
- GOOOOOOOOOOL!!!
RF- ?!?
Escrito assim até parece que foi uma conversa breve, mas não foi não. Quando Furet parou de falar o segundo tempo já estava bem encaminhado e o Brasil tinha acabado de fazer um gol.
F- Merde! Não acredito que perdemos o gol!
R- Estou vendo que o tempo está passando e que logo o Brasil ganhará a Copa. Isso não pode acontecer. Peço perdão por abandoná-lo agora, pobre incrédulo, mas devo tomar as rédeas dessa história. Às vezes devemos tomar parte nas ações para que outros as narrem. Fico particularmente feliz que as minhas sejam narradas pelo Galvão – que narrador! – nas palavras dele a ação ganha verdadeira vida! Enfim, vim aqui por um único motivo, François, viver a intensidade da maior tragédia vista pelo homem, uma tragédia que remonta ao passado, quero viver este passado e presente se transformarem em um futuro de dor!
Ricoeur puxou então um revolver de sua mochila. Furet, pasmo, não conseguiu pronunciar uma palavra.
R- Este belo acontecimento que estamos prestes a vivenciar me faz pensar mais uma vez em minha obra. Como você deveria saber, François, o processo mimético da tessitura da intriga só tem sentido como a mediação entre a pré-figuração, o campo prático, e a refiguração. A inteligibilidade da narrativa só pode se dar nessa mediação. É somente com a leitura da narrativa por aquele que a recebe que o processo se completa. Tome meu rádio. Fique atento às belas palavras de Galvão Bueno e faça a leitura correta, assim saberei que minhas ações não serão em vão.

Com essas palavras o velho barbudo com roupas de monge se afastou. Quando Furet recuperou a voz já era tarde demais.

Lucas Mello Neiva, número usp 4335686
Após a derrota da seleção francesa nas semifinais pela equipe do Uruguai, o filósofo Paul Ricoeur convida o historiador François Furet para acompanha-lo a grande final da Copa de 2014, entre Brasil e Uruguai no novo maracanã:

F: Meu caro Paul em pensar que poderíamos neste momento presenciar novamente o embate entre Brasil e França, se nossa seleção não tivesse sido eliminada nas semifinais desta Copa.

P: Em todo caso não deixa de ser um embate recorrente, visto que ambas as seleções já se enfrentaram em 1950. Em relação a nossa seleção não foi dessa vez.

F: Seria um espetáculo muito triste para esta torcida que está tão confiante na vitória e consagração de seu país. O que não difere muito da torcida que em 1950 também almejava assistir a vitória de sua seleção.

P: São outros tempos, a simples recorrência de dados estatísticos não garante necessariamente uma nova vitória uruguaia. Sem contar que o evento presente, conforme Santo Agostinho, logo fará parte do passado e consequentemente depositaremos nossas esperanças em um futuro próximo, no qual quem sabe a nossa seleção francesa retome o triunfo de 1998.

F: Já não sou tão otimista assim em relação a um bicampeonato de nossa seleção em um futuro tão próximo, visto que neste intervalo de tempo desde a última conquista não surgiram novos craques como Zidane, Henry entre outros. Tal fato permite um paralelo em relação ao nosso próprio país, que no passado estava à frente no comando da revolução, cuja transferência revolucionária a União Soviética e posteriormente ao Terceiro Mundo, guardou por muito tempo a esperança de retomada entre as grandes nações.

R: Não seja tão pessimista consigo mesmo, aproveite este grande espetáculo do qual fazemos parte, como torcedores. Tenho grandes expectativas em relação a este jogo, creio que a seleção brasileira seja a favorita perante a seleção uruguaia. Quais suas expectativas em relação a este jogo?

F: Creio que esteja certo, afinal quem triunfar neste embate, poderá enaltecer a sua história as gerações futuras, em um caráter memorialista, assim como, grandes momentos históricos como a batalha de Waterloo ou a morte de Stalin são recontados indefinidamente. Quanto ao jogo, prefiro não dar palpite em relação ao placar, mas quero ver gols, visto que ao relatar futuramente este evento à outra pessoa, de acordo com a história-narrativa, será necessário reconstruir a experiência já vivida no eixo do tempo.

R: Não tem jeito mesmo Furet, sempre tão pragmático mesmo diante deste grande espetáculo não consegue se desvencilhar de suas teorias, das estatísticas e ainda por cima se recusa a sair de cima do muro quanto a sua torcida. Como estamos no meio da torcida brasileira, somente espero que não rompa a sua imparcialidade em favor da seleção uruguaia, até mesmo para que possa de fato ter a oportunidade de contar futuramente esta experiência vivida.

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Rodrigo Leandro de Lima – Noturno – Nº 6838259

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ricouer e Furet na final da Copa de 2014

Era domingo. Final de copa do mundo, 2014, Brasil. Para os poucos torcedores de idade mais avançada, o jogo trazia muitas memórias: os times que disputavam o último jogo do campeonato eram Brasil, que jogava em casa, e Uruguai, embate já vivido em uma final de copa de mundo na década de 50, no Maracanã.

Dois senhores, que – surpreendentemente – mantinham-se ativos apesar da idade muitíssimo avançada, sentavam-se respectivamente na cadeira B-237 e B-238 da arquibancada azul. Um ao lado do outro, aguardavam o início da partida. O cansaço, manifesto nas respirações lentas e desritmadas entre si, dos dois velhos, mantia um silêncio repletos de burburinhos vindos da arquibancada, intercalado por gritos de “Vai, Brasil!”. Um tipo de silêncio que só se ouve quando se guardam demais as palavras: o entorno se dilui no que se retém dentro de si.

François Furet chegara mais cedo e guardara o assento B-238 com sua boina, mesmo sabendo que os ingressos eram numerados. Quando Ricouer chegou, deram-se um tímido abraço seguido de uma saudação curta. Furet foi o primeiro a romper o silêncio estabelecido após o breve descanso de seu velho amigo. Perguntou-lhe se estava bem, como tinha sido a viagem e outras perguntas que fazem pessoas que não se veem a algum tempo. Continuaram a conversar durante o jogo, num ritmo mais desacelerado, quando este começou.

F.: Incrível, não, meu caro? Brasil e Uruguai se enfrentando em uma final de copa do mundo. Forlan, Lugano, Neymar, Lucas... Incrível. Mais incrível é que mais da metade dos torcedores, das pessoas que encontrei na rua, insistem em tratar o jogo de hoje como continuidade do jogo de 1950. Como se fosse uma repetição do que aconteceu naquela década.

(Neymar avança sozinho para o campo adversário; chuta a gol, mas a bola bate na trave)

R.: Mas negar a relevância da final de 50 para este jogo, com estas mesmas seleções, neste mesmo estádio, é uma bobagem, meu amigo. O som – ou o silêncio de mais de 100 mil pessoas – do jogo de 1950 está reverberando até agora: ouço nas palavras das pessoas que encontro na rua, um desejo que provém do resultado do jogo anterior. É preciso pensar no passado para enxergar o que está interligado com este no presente.

F.: O Júlio César não é o Barbosa. E o Forlan não é o Ghiggia. E lembro bem que em 50 não tinha gente do lado de fora gritando contra a realização dos jogos, protestando contra a própria copa. Em 50, o Brasil era outro. E o Uruguai também. Não faz sentido nenhum aproximar esses dois momentos sendo que eles não tem uma ligação única entre si. Entre esses dois jogos, aconteceram mais de 40 jogos entre as duas seleções. Se você pretende ligar esses acontecimentos, deveria elencar todos os jogos e o contexto em que eles aconteceram e problematizar tais informações, a fim de compreender mudanças e continuidades entre esse período. Ignorá-los é dar passos largos e tortos num caminho sem sentido.

R.: É claro que o Júlio César não é o Barbosa. Mas você tem que admitir, Furet: existe uma memória do jogo de 50 que determina o modo que os jogadores estão jogando. Não que o Neymar seja dos quietinhos, mas veja ali. Acabou de dar um carrinho no Lugano. É claro. Não estou ignorando que estamos em outro contexto, mas a importância da vitória para o Brasil, neste jogo, se faz muito maior devido a final perdida na primeira e última copa realizada neste país.

F.: Ricouer, meu caro. Não há relação direta entre os dois jogos. Independente disso, é claro que esse jogo é um acontecimento histórico, pois é singular e único, depois desses 90 minutos, nunca mais se repetirá. Sem falar que não é um dos jogos triviais, um amistoso. É uma final de copa do mundo. Os jogos de copa do mundo, arisco dizer, muitas vezes são usados para incentivar o ufanismo ou conter descontentamentos políticos. Mas mais uma vez lhe digo: não é necessário vincular o jogo de 64 anos atrás ao de agora para que este tenha validade. Ambos, por si só tem valor e não há necessidade dessa aproximação sem sentido.

R.: Isso, meu caro Furet, não cabe só a nós decidir. Um acontecimento também torna-se um fato histórico de acordo com as reverberações posteriores do mesmo... Eu ainda sigo acreditando que este jogo e o sentimento coletivo em relação a ele, é fruto do plantado no passado. Não é preciso coletar todos os dados e números entre esses dois jogos para entender que o jogo de hoje está ligado ao da década de 50. Basta entender as construções que os envolvem, e as ligações que estas tem entre si.


Acaba o primeiro tempo. Furet, irritado, levanta resmungando e, com sua boina na mão, diz adeus a Ricouer. Não iria terminar de assistir o jogo, iria para casa. Ricouer, um pouco mais bem humorado, ainda fez uma piadinha não muito bem-vinda dizendo que Furet esperaria o resultado do jogo para contabilizá-lo. Ricouer anota em seu caderninho: nenhum gol no primeiro tempo. Fred recebeu um cartão amarelo e Furet foi embora.

Veridiana V. Firmino - 7199735  

Et tu, Scripte!

Nossa história começa não se sabe onde, contada por não se sabe quem. Embora sejam essas as perguntas cruciais que instigam os seres que lá habitam, ainda há pouco conclusivo, por mais que deva dizer que as abordagens e teorias sejam as mais complexas, do muito construído raras são as ponderações que se mantém inquestionáveis, e uma delas é que este lugar, definitivamente é branco. E o principal motivo disso foi Kant afirmar que o piscar lhe dá noção do oposto, onde nada lhe era compreensível aos olhos, sem alterar-lhe a capacidade de reconhecer a mesma realidade pelo som, postula que existiria assim, a luz e a sua ausência pela negação do ver. Isaac complementou que aos olhos abertos se reconhecia várias cores, o que só faria sentido se aquele lugar possuísse todas, sendo assim, branco.
Mas mesmo isso devo dizer que não é consenso, pois Friedrich cospe-lhe por debaixo de seu prolixo bigode sempre que o vê e atira-lhe uma maçã à cabeça. O que se pode fazer? Todos têm seus momentos de solipsismo neste lugar, apesar que tal concepção é realmente forte nele desde que chegou aqui.
Bom, mas o que interessa é que, ao acaso ou não, e isso também é motivo de debates aprofundados, temos dois Sócrates. O primeiro, se faz em grego antigo e sua vivência já se tornou exaustiva entre os outros, pois desde que acometido por Alzheimer, insiste em perguntar a todos sempre as mesmas coisas. Nem Platão lhe dá mais ouvidos, preferindo a companhia de cléricos medievais. Mas há um segundo, e este se fez recente, por mais que o tempo não existe aqui da mesma forma, – e correlatamente, suas memórias sobre este lugar – perambula entre os homens das ciências do corpo mas parece inquieto, insatisfeito, sem jamais poder realizar-se plenamente (Ao menos é o que Hegel anda dizendo por suas costas).
Não demorou até que fosse visto triste à margem dos outros e então, numa tarde, e quem afirmou isso foi Saramago, ouviu-se bradamente ecoar pela imensidão do branco que a tudo rodeia a voz estridente de Arquimedes entoando ao alto um ressonante e explosivo grito – Eureka! - e assim, se me permitem, clareou-se o nosso entender.
Sócrates, o segundo, sentia falta de sua maior paixão – eu sei, eu sei, os gregos o tiveram mal por isso, mas Sidartha o compreendeu, ainda mais por vê-lo reprimi-la em tal lugar – que então se fez ao entendimento de todos e era o futebol.
Decididos a auxiliá-lo, ao menos uma vez, pois de uma forma ou de outra, quase todos alí se saciavam no saber, mas ninguém, por mais que Sócrates insistisse, se interessava em aprender aquela atividade, - E o pior, não haviam bolas, e Nietzsche se fazia cada vez mais zangado por lhe roubarem as maçãs, que sabe-se onde conseguira arrumar. - Parmênides decidiu que dois dentre eles deveriam levá-lo para assistir algum evento futebolístico, algo que o acalentasse e gerasse um “novo Sócrates”.
Em Assembléia, um tanto conturbada com ponderações de Bakunin e Karl levando a quase implosão desta, - ainda mais quando viram Sartre culpando os indivíduos da plenária por cada discondância que surgia. - decidiram que seria Furet e Ricoeur.
E quando menos imaginaram, já se viam no Maracanã, em 11 de Julho de 2014, um domingo acalorado, fez questão de anotar em suas notas, Ricoeur.
Sócrates , o futebolista, se via abobado, perdido no meio daquela multidão de sensações, suores e pessoas. Havia apenas um problema, não estavam na arquibancada do Brasil, mas na do Uruguai.
Então, algo curiosíssimo aconteceu. Não sei, eu, o narrador, em quem acreditar.
Ricoeur enumera-me todos os eventos daquele jogo e é enfático ao dizer que fizeram história, claro, diz-me compreender a temporalidade daquela partida, como também daquela copa e mesmo da trajetória de todas aquelas seleções. É enfático ao descrever grandiosidade da final, como momento decisivo na escrita daquela copa na memória de todas as copas. Até brinca, que a gravação da seleção vitoriosa desta partida na taça que o capitão levantou à visão da torcida, exemplifica sua fixação na narrativa histórica em que tal país, time, desporto se inserem.
Sócrates foi um tanto quanto ufanista, diz que delirou a cada lance da seleção brasileira, seja no incisivo ataque ou na esparssa e atuante defesa. Do mesmo modo sofreu a cada falta, contra ataque ou gol que o Brasil sofreu. Sobre isso se absteve a detalhes e de modo quieto, sisudo, relatava o mais frio e rápido que podia fazer, evitando até objetos indiretos em suas frase. Porém, nada, nem mesmo a decisão nos penaltis, cabendo ao sétimo cobrador da seleção do Uruguai a resolução da disputa mais acirrada da história da competição, chamou mais sua atenção que a fatalidade que acometeu Neymar. Não, não por alguma idealização que ele possa ter por tal jogador, mas como devem saber, alguns atributos destes seres que nomeei aqui, quando chegam a esse lugar que não se sabe onde, tendem-se a se aguçar, acentuar mesmo, de alguns até chega a extremos, vê-se o solipsismo de Wilhelm. E não foi diferente com Sócrates, o segundo, que então pode-se recordar que seu prefixo terreno: Doutor.
Desta maneira, aquela ruptura do ligamento cruzado posterior e do cruzado medial, fez a catilagem articular e a membrana sinovial, conjuntamente com a patela deslocar-se sobre o fêmur esquerdo. Sem dúvida, isso foi o que atraiu maior atenção ao nosso ex-atleta, músico, ator, e tudo mais que havia em seu lattes, que não tardou em desaparecer-se com o fundo deste estranho lugar. Ele ficou repetindo sobre isso a todos os demais, e Sócrates, o primeiro, ficou com um sincero ciúmes, pois tirando os pontífices e reis, poucos outros haviam a titulação numero em sulfixo, mas isso é discurso para ocultar a disputa de poder entre eles, dizia Foucault. Não tardou em ficar Sócrates e Dr. Sócrates.
Mas o futebol não fora esquecido. Furet voltou outro da partida. Sobre ela em si dizia pouco, falava que era insignificante enquanto narrativa, pois aquele evento, por ser um mero movimento em si, pouco dizia sobre a complexa realidade futebolística. Discordava profundamente da ideia eliminatória das oitavas, quarta, semi e finais em tais competições. Enlouqueceu ao saber como passou a ser realizar os campeonatos brasileiros dentre os finais do século XX e inicios do XXI, onde um jogo em si não importava, mas todo o desenvolvimento do time ao longo da competição. Dizia haver aí a possibilidade de uma problemática se instaurar e a partir da análise das partidas pertinentes inferirmos algo sobre o evento como um todo.
Ricoeur ria abundantemente disso e afirmava que então, fugia-se de uma narrativa para construir outra em seguida. A narrativa se faria permanentemente presente.
Furet se enfurecia e dizia que tal história só haveria como uma postulação consciente a partir e permeada constantemente por um problema chave, que diz mais sobre o presente do postulador que do evento em si, e para tal este se faria compreensível, e somente assim a história se mantém. Somente assim um campeonato possuiria a validade histórica, não dependendo de “casualidades”. O campeão legítimo se faria nisso.
Ricoeur meio contrariado prostra-se para contra-argumentar mas Furet o ignora e vira-se para mim e diz que eu não deveria dar novas falas a Paul, uma vez que este texto mesmo, finge-se narrativo, mas está construído em cima de uma problemática clara, e que todos que o lerem há de ter claro isso, pois infortunamente – ele ria ao dizer – não sairá de um sítio num lugar também infinito mas não branco, chamado internet.

Gustavo Henriques Urbano de Mello
Nº 7200083

Provocações

Domingo, 13 de janeiro de 2014. Rio de Janeiro. Final da Copa Mundial de Confederações.

Dois senhores distintos, já com os cabelos rareando, observam o movimento da multidão nas arquibancadas do Maracanã durante o intervalo entre o primeiro e o segundo tempo. A peleja entre Brasil e Uruguai continua no zero a zero. Uma discussão atípica para aquele ambiente tem início.

François Furet – torcedor inveterado da seleção canarinho – diz impaciente ao amigo, enquanto mentalmente volta a se indagar qual mesmo teria sido o motivo pelo qual ele aceitou o convite de Paul Ricoeur, mesmo não tendo conseguido ele próprio ingressos para a final:

“Pô Ricoeur! Para com isso! Não é por que terminamos o primeiro tempo no zero a zero que o desastre da Copa de 50 vá se repetir. Concordo que até agora algumas semelhanças com a fatídica data possam ser observadas... Mas mesmo assim! Chega de gorar o jogo com esse papo de que o passado não existe em si mesmo e que nós é que construímos a memória do presente fazendo referência ao passado. Achei que tínhamos combinado que esses debates ficariam restritos à academia... A última vez que isso aconteceu nós só não perdemos o gol decisivo porque o vendedor de água derrubou o isopor na sua cabeça.”

Paul Ricoeur, torcedor roxo da seleção do Uruguai, leva automaticamente as mãos à cabeça ao se lembrar do incidente. Aparentemente ele e Furet não conseguiam mesmo passar mais de uma hora sem cair numa discussão teórica. O tema história crítica e história problema já tinha feito muitas vezes parte destas discussões, mas os dois pareciam não conseguir nunca chegar a um acordo. E outra, pensou Ricoeur, alguma ação cairia bem agora no intervalo já que o jogo até então tinha sido tão parado – afinal de contas, de ações e paixões que se fazia possível sentir a passagem do tempo, não?

“Caro amigo François, só estou passando o tempo com uma conversa agradável... Mas como eu estava dizendo antes de você se exaltar, só com essa sua teoriazinha da história serial não podemos pressupor que desta vez o Brasil será campeão...”

‘Que sujeitinho arrogante’ pensa Furet, ‘e ainda dizem que o arrogante sou eu!’. Ao responder à provocação, já meio acalorado, se utiliza de sua própria bibliografia.

“Se ‘Vossa Excelência’ permitir, citarei meu próprio trabalho, porque afinal não são as fontes que definem sua problemática, mas sim sua problemática que define as fontes... No estabelecimento de séries ‘ as fontes estruturalmente numéricas, reunidas como tais, e utilizadas pelo historiador para responder as questões diretamente ligadas ao seu campo original de investigação’ demonstram uma ‘revolução na consciência historiográfica’. O fato do Brasil, depois do desastre de 1950, nunca mais ter perdido UM jogo para o Uruguai no Maracanã prova que o peso daquela derrota paira até hoje sobre a seleção brasileira, e estes farão o impossível para não repetir a tragédia no final desta copa do mundo, portanto não perderão. Vê se aceita a realidade então ô vacilão!”

Soa o apito. Ambos sentem certo alívio por não seguirem com a discussão, evitando assim com que os ânimos se exaltassem. Não seria a primeira vez que seriam tirados de algum lugar aos tapas. Para o horror de Furet, faltando dez minutos para o fim da partida o Uruguai faz o gol da vitória. Passam-se os minutos restantes e o jogo é encerrado, desencadeando uma catarse de tristeza nacional.
Um Furet cabisbaixo, ladeado pelo sorridente Ricoeur, segue em direção à saída. Ricoeur, agora um pouco arrependido pelas provocações que fez, tenta animar o amigo.

“Ah Furet! Não fique assim meu amigo... Você, historiador, como um leitor dos acontecimentos passados, atribuiu um significado para os eventos que observou – e naturalmente não pôde ignorar o que realmente aconteceu. Como no caso da final de 1950, o passado aconteceu, mas o futuro permanece cheio de possibilidades! Vamos lá, eu te pago uma cerveja antes de pegarmos o avião para a França.”


Furet respondeu com um muxoxo... Não estava com animo para começar um debate. Então seguiram, mais uma vez sem encerrar a discussão, de volta para a terra do croissant.


Ana Claudia Camargo Feliputi - nº USP 6555302 - Noturno

Um diálogo ocasional


Ao chegar ao Aeroporto Charles de Gaulle, 1 hora antes do horário de embarque do avião, um homem descobre que o seu voo foi cancelado e que a companhia aérea o transferiu para outro voo, que partiria em 15 minutos.

– Atenção passageiros do voo AF443 com destino ao Brasil, embarque no portão 3.
– Senhor! Senhor! – gritava a atendente do balcão para o homem. Esse é o seu voo.

O homem sem saber se estava furioso ou feliz, aliás, iria chegar mais cedo e sentaria em um lugar melhor, apressou-se para não perder o voo.

– Passaporte e passagem, por favor? – disse a aeromoça que usava uma maquiagem tão carregada que nem dava para distinguir sua idade, talvez uns 25 ou 30 anos.
– Ricouer! Ricouer! – chamava um passageiro lá no fundo.
– Furet? O que faz aqui?
– Darei uma palestra no Rio de Janeiro e você?
– Ah, fui convidado para um simpósio sobre Teoria literária.
– Sente-se aqui – disse Furet.
– Creio que esse não seja meu lugar, mas se alguém chegar eu levanto.
–Sejam bem vindos a bordo. Pedimos a sua atenção para demonstração do nosso equipamento de emergência. – disse a aeromoça.

Após a decolagem, a mulher com a maquiagem carregada oferece uma bebida e algo para comer para os dois senhores.

– Vou querer só um chá e um saquinho de pistache. Aliás, qual o filme que vai passar? – disse Furet.

Enquanto falava, Ricouer retirou da mala de mão um pequeno travesseiro.

– É um transtorno isso de viajarmos tanto tempo sentados. Desculpe, acabei não ouvindo, qual é o filme? – perguntou Ricouer.
– Mr. Nobody. – respondeu Furet com um ar aborrecido. Poderia passar o último do Almodóvar, Os amantes passageiros, divertidíssimo. Só espero que a ficção não vire realidade e aconteça o mesmo com a gente.
– Nunca vi, mas adoro Mr. Nobody. E é incrível como o diretor problematiza a questão do tempo e as memórias do protagonista, de forma a intrigar o espectador sobre qual teria sido a verdadeira história do Sr. que se intitula como Ninguém. O único ponto fraco é sua longa duração, que acho desnecessária, uma vez que o essencial da trama caberia em um tempo bem menor.
 – É um filme caótico, as lembranças inconstantes e imprecisas, distantes da realidade, mas tem uma fotografia belíssima. Além desse discurso do tudo poderia ser outra coisa, mas sem deixar de ser importante, angustia-me um pouco.
– Para mim a beleza do filme reside na forma como aborda as inúmeras possibilidades da vida, cada qual decorrente de uma escolha, sem que haja necessariamente um caminho lógico entre o início e o fim da história ou uma narrativa linear em busca do verossímil. O que me chama a atenção é a relação entre o tempo vivido e a consciência do protagonista, e a forma como o Nemo velho interfere na configuração da narrativa. – disse Ricouer ajeitando o travesseiro na poltrona.
– De todas as vidas de Nemo, suas memórias nos conduzem a torcer pelo caminho que leva a Anna, não? Seja porque a vida com Anna é apaixonante, sempre com tons vermelhos, enquanto a com Elise é repleta de um azul deprimente, ao passo que a tonalidade amarela da vida com a Jean o torna entediante. Suas lembranças ou fantasias não deixam de ser tendenciosas, e a subjetividade o afeta na hora de reconstruir objetivamente sua história.
– Ah... Mas se pensarmos em uma lógica das possibilidades narrativas, não há conflito entre a análise objetiva e a apropriação do sentido pelos sujeitos. Na verdade, Nemo vive enredado em histórias e procura conhecer-se e dar-se a conhecer através delas. Aliás, o trem é a melhor metáfora para as reconstruções de suas vidas, pois nos deparamos com um quadro repleto de caminhos alternativos que se cruzam em linhas paralelas, onde cada escolha modifica o futuro, passando consecutivamente entre futuros alternativos.
– Vendo por esse lado, parece que a intensidade das fantasias vividas é mais relevante do que os fatos reais no filme. Acho que o problema é aquilo que Nemo quis guardar e por que ele quis guardar essas memórias e não outras? É um bom ponto de partida.
– Compreender essas ações não se limita à capacidade de nos transferirmos para o vivido de Nemo com base nos signos que ele oferece à nossa compreensão. O que há de se compreender em uma narrativa é o tipo de mundo que o filme apresenta ao espectador, aliás, estamos falando de cinema e toda sua liberdade criativa.
– Um mundo da criação, do recurso à imaginação? E a imaginação não está pautada pela realidade, mas sim pela referência metafórica da ficção?

Furet levanta a sobrancelha direita, ajeita-se na poltrona e ouve atenciosamente as observações de Ricouer.

– Claro! Mas, isto não invalida que a ficção não almeje também a verdade, apenas se trata de outro tipo de verdade. A estrutura da narrativa visa indiretamente a nossa experiência temporal, enquanto a da história é direta.
– Uma conciliação entre ciência-verdade com a narrativa-ficção? Meu caro amigo, até concordo que a história é uma arte narrativa, mas acho que você pretende conciliar o que é aparentemente inconciliável. – disse Furet inquieto.
– Mesmo que queiramos afastar a história o mais possível da “narrativa”, nunca conseguiremos de todo, pois você como um bom historiador se utiliza da imaginação para vencer a distância temporal, o que lhe permite transportar-se para outro tempo que é o passado.

Furet ficou pensativo por alguns minutos, queria escolher os melhores argumentos para responder, mas acabou por fugir do assunto. Talvez quisesse guardar aquela conversa para outra hora.

– Você sempre acaba desvirtuando as conversas para suas provocações filosóficas.
– Veja pelo lado bom, se estivéssemos em uma narrativa escrita, o leitor não poderia ver essa sua camisa horrorosa. O que é isso? Um canarinho?

Furet inconformado com a observação de Ricouer olhou para o assento ao lado e perguntou para uma senhora se sua camiseta era bonita.

– É comigo? – disse ela rindo. A senhora constrangida balança a cabeça com um sinal negativo.
– Como assim? Não é um país tropical? E essa sua camisa azul celeste? – aponta para Ricouer. Mas tenho que confessar algo. Na verdade estou indo para o Brasil...
Ricouer, que estava com um olhar distraído, inclinou-se para o lado e levantou os olhos em direção a Furet.
– Por quê? – perguntou-lhe.
– Sou fanático por futebol, comprei um ingresso para o final da copa entre o Brasil e o Uruguai no Maracanã.

Ficaram calados por um tempo. Furet estranhou a indiferença do amigo ao contar-lhe o verdadeiro motivo de sua viagem. Ricouer, um pouco inquieto e pensativo, estava confuso se contava que iria ao Maracanã ou não.

– É, meu caro amigo, compartilhamos da mesma paixão, também irei para esse jogo. Será um evento extraordinário, não? – disse Ricouer um pouco constrangido.
– Sério? – disse Furet com um rosto surpreso. Onde você vai sentar?
– Setor 112, assento 09. E o seu?
– Setor 112, assento 10. – disse sorrindo.
– Atenção senhores passageiros dentro de instantes estaremos pousando no Aeroporto Internacional do Galeão.- ressoou uma voz pelo alto-falante.

Sem saber direito como a conversa tinha chegado naquele ponto, os dois tiveram a sensação de que o tempo da viagem tinha sido curto, e que as questões não tinham sido respondidas, mas ganharam uma prorrogação.


– Quem será que vai marcar o gol de ouro? – disse um rapaz que ouvia toda a conversa do assento de trás.

Rayane Silva N° USP 7742946

Teoria no Maraca



Apitou o árbitro. Fim de jogo no Maracanã. Ninguém esperava uma final de Copa do Mundo com um jogo tão morno. Brasil e Uruguai que se enfrentavam novamente numa final de Copa, no mesmo estádio, 64 anos após o primeiro embate decisivo, no ano de 1950, acabam de empatar a partida em 0 x 0. Não há outra solução e a posse da taça mais cobiçada do mundo do futebol será decidida nas penalidades máximas.
Enquanto jogadores vão descansar à beira do gramado, goleiros rezam sozinhos e os técnicos definem os batedores, dois amigos franceses conversam na arquibancada do Maraca: o historiador François Furet e o filósofo Paul Ricoeur.
Ricoeur: - Mas que jogo chato foi esse François? Nem um gol, poucos lances dignos de aplausos, uma verdadeira decepção essa final.
Furet sorriu e disse: - Concordo amigo Paul, mas abro uma exceção quanto à chatice do jogo. Aposto que quem ouviu o jogo pelo rádio deve ter passado por boas emoções. Isso se as rádios aqui no Brasil forem iguais na França, que narram um lance que está acontecendo no meio de campo como quase-gol.
Mal acabou a frase, Furet teve uma ideia provocativa ao seu amigo e disse com ar irônico: - Ou eles gritariam gol com uma quase-narrativa?
Ricoeur aos risos disse: - Até no estádio você vem com essas provocações François?
Furet: - O seu livro - que você deu de presente pra mim - ainda me intriga em certas partes. Só isso. Principalmente essa questão da narrativa.
Ricoeur: - Veja bem Furet, me ocorreu agora à ideia de tentar te explicar esses meus apontamentos utilizando como exemplo o futebol, essa partida. Talvez você consiga compreender melhor, assim espero...
Furet: - Vamos lá Paul, temos dez minutos antes de começar os pênaltis.
Ricoeur: - Em primeiro lugar é preciso saber que toda história é narrativa...
Furet: - Ah, calma lá Paul, assim você confunde discurso historiográfico com discurso ficcional.
Ricoeur: - De forma alguma. Não confundo História e Ficção. A narrativa histórica deve se inclinar para algo real do passado. Sendo assim, qualquer tipo de análise histórica sobre esse jogo tem que ser narrativa.
Furet: Mas seria a história de um evento, uma história factual. Fazer esse tipo de análise é retroceder ao século XIX e já...
Ricouer (interrompendo): - Sei em que você quer chegar. Na história-problema, na longa duração. Mas mesmo a chamada “história de longa duração” é constituída de eventos, portanto de narrativa. O equívoco está em definir o evento como extensão de tempo, quando na verdade ele é definido pelo poder de mudança que ele tem no interior de qualquer narrativa. O último pênalti das cobranças será o principal evento de toda essa Copa do Mundo, da mesma forma que esse jogo pode vir a ser um dos principais eventos da História de todas as Copas que já ocorreram.
Furet: - Interessante. E se eu disser que estou aqui porque estou preparando uma análise de todas as Copas do Mundo, a partir de séries homogêneas e comparáveis delas?
Ricoeur: Ótimo François. Ainda assim é narrativa. Narrativa histórica. A grande questão é que você não pode retirar o “homem” dessa sua narrativa. A inteligibilidade histórica não pode excluir o ‘vivido’. A história não estuda a ação? Cada escolha, de qualquer jogador no jogo foi importante para o placar ter sido nulo. Um cruzamento mais aberto ou um passe mais arriscado poderiam ter mudado o placar. Os pênaltis que jaja começam também não é? São definidos em função da escolha do batedor e do goleiro.
Furet: Sim Paul. Entendo a história como arte da narrativa também, apesar de crer que ajuda na explicação da história e não na compreensão do vivido como percebi nos seus comentários.
Ricoeur: Sim, para entender o que pensei sobre história nesse sentido é preciso falar sobre as mimeses. Eu por exemplo vou contar como foi essa partida nas minhas aulas. Para isso preciso ter consciência dos objetos do mundo, a intratemporalidade. A partir do campo prático faço a mediação entre a prefiguração desse campo e a refiguração pela recepção da obra.
Furet: Continuo sem entender e os pênaltis já vão começar, ande logo porque não quero conversar sobre isso tomando cerveja na Lapa.
Ricoeur: Eu como autor, configuro minha fala para os alunos, mediando o próprio Viver com a vida do ouvinte. Se ao invés de falar eu escrevesse um texto; este não seria senão um pretexto para a interpretação. O que quero dizer é que o leitor produziria o significado do texto que eu escrevi. Cada um produziria significados diferentes e poderiam se lessem de novo e de novo ter outras percepções e produzirem outros significados. Assim aprendendo a viver compreendendo a narrativa o leitor a devolveria ao vivido. Esse é o círculo hermenêutico que utilizo para tentar dizer que a história é a compreensão do vivido.
Furet: - História Mestra da Vida?
Ricoeur: - Sim, não para apenas um grupo de pessoas, mas para o ser humano em geral.
Furet: - Pois bem Ricoeur, ainda preciso de mais explicações. Mas os pênaltis tão aí...
Ricoeur: Até que enfim...

Referência Bibliográfica:
- Paul Ricoeur e a Narrativa Histórica. História, Imagem e Narrativas, nº12, abril/2011 – ISSN 1808-9895 – http: www.historiaimagem.com.br.

Bem, amigos!

 
Bem, amigos! Estamos em uma final histórica da copa do mundo de 2014 e a disputa pelo caneco está entre o Brasil de Neymarrrr! e o Uruguai....E nunca antes na história deste país temos a oportunidade de presenciar uma festa desta magnitude, as arquibancadas cheias e para iluminar este grande evento, a área vip do novo Maracanã recebe grandes nomes do pensamento brasileiro como: Luciano Huck, Xuxa, Thor Batista e muitos que ainda estão a caminho!!!!!!

Enquanto isso na arquibancada sul, o pior setor do Maracanã....


Furet: Caríssimo Ricoeur, pronto para mais uma pelada?

Ricoeur: Tenho certeza que não, o futebol sul-americano, especialmente o brasileiro é surpreendente!!!!

Furet: Pois é! Nós que demos uma lavada em 98 estamos sofrendo com a profunda crise na seleção francesa! Lembra? Tínhamos, Barthez, Thuram, Desaily, Leboeuf, Lizarazu, Dechamps, Petit, Karrembeu, Djorkaeff, e aquele que vale por todos esses juntos, o espetacular Zidane!

Furet: Tempos de glorias! A esquerda era forte desempenhava uma liderança inquestionável!!!! Influenciava e ditava o ritmo durante todo o período. A direita já demonstrava seus limites, e seu apogeu já fora faz tempo... e agora só lhe resta a inoperância.

Ricoeur: Concordo, acho interessantíssimo o diálogo e a relação dialética entre sua explicação e a compreensão!

Ricoeur: Interessante também é o jogo de futebol. No início, a escalação perfeita, as seleções representadas por seus melhores atletas, no ápice de sua forma física, cada um desempenhando funções taticamente essenciais para a vitória. Mas, ao iniciar o jogo, verificamos que toda esta sincronia logo é desfeita e a diacronia predomina, a confusão prevalece conforme o tempo passa e a derrota se aproxima, ou seja, ocorre a falta completa de comunicação impossibilitando a ocorrência da reciprocidade de intenções responsável pela produção do diálogo.

Furet: Historicamente, sempre destacamos os embates entre a esquerda e a direita, mesmo porque Lizarazu (lateral esquerdo) sempre foi mais simpático e elegante que Thuram (lateral direito).

Ricoeur: Entendo, que é apenas uma questão de escolha, é o custo de oportunidade de escolhermos um em detrimento do outro.

Furet: Deve ter alguma explicação para esses sul-americanos serem melhores com a bola no pé! Veja meu caro, o Brasil foi campeão do mundo nada menos que cinco vezes! O Uruguai e a Argentina duas! E nós apenas uma e ainda tem gente falando que foi de uma forma não muito lícita!

Ricoeur: Para de perder tempo com essas reflexões! Afinal o futuro ainda não é, o passado não é mais e o presente não permanece!

Furet: A reposta está nos meios, nos signos, nas coletividades e nas múltiplas estruturas culturais em que esses jogadores estão inseridos.

Ricoeur: Tanto o Brasil quanto o Uruguai demonstram qualidade técnica e individual de seus atletas, o que corresponde a uma correlação direta ao tempo dispendido em treinamentos e as características genéticas de sua formação física privilegiada.

Furet: Corretíssimo meu exemplar e iluminado amigo! Além da genética, as estruturas e o meio em que estão envolvidos possibilitam através de fatores endógenos, uma propensão maior de gasto do tempo jogando bola.

Ricoeur:  Não estou acompanhando a luz de seus raciocínios, estruturas?

Furet: Sim! País pobre, terceiro mundo lembra-se? Baixo nível de desenvolvimento econômico, escolaridade, enfim, o tempo é mais ocioso e destina-se a práticas esportivas e o aperfeiçoamento como atletas como uma das poucas possibilidades de ascensão social. Isso explica tantos fenômenos como: Ronaldo's, Neymar, Pele, Richarlyson, Maikon Leite, Felipe Melo.......

Ricoeur: Mas eu dispunha de muito tempo e não desenvolvi meu talento no futebol......

Furet: Você é uma exceção! AH! O verdadeiro futebol! A essência do esporte, que ainda sobrevive nesses paraísos não contaminados pela abundância e opulência dos grandes clubes! Onde predomina a simplicidade, a rusticidade, a bola feita de meia revelando craques para o mundo, a objetividade, a arte de fazer gols, a eficiência......

Ricoeur: IH ! Já se foram noventa minutos, vamos para a prorrogação......


Luiz Sato
N° 8620570
noturno

Resposta à proposta



Resposta à proposta: Final da Copa do Mundo 2014. Brasil e Uruguai estão na final. François Furet e Paul Ricoeur estão na arquibancada. Invente um diálogo entre esses personagens envolvendo o contexto em que se encontram e os conteúdos estudados em sala de aula.
Em um tarde de domingo, dois amigos saem de seus hotéis rumo ao estádio do Maracanã para assistirem a final da Copa do Mundo entre Brasil e Uruguai. Chegando lá, eles se acomodam em suas cadeiras e se dão conta de que já se conhecem.
Furet: Olá, Paul. Você por aqui!
Ricoeur: Olá. Não perderia esse jogo por nada. Bem, como você pode ver pela minha camisa, estou torcendo pelo Brasil. E você? Brasil ou Uruguai?
F: Nenhum dos dois. Eu só quero assistir uma boa partida de futebol.
A conversa é interrompida para a execução do hino nacional. Em seguida, a tão esperada final começa juntamente com a retomada do diálogo entre os amigos.
R: Como pode ser tão indiferente!? Estamos diante de um acontecimento que poderá entrar para a história.
F: Só não entendo o porquê.
R: Em 1950, nesse mesmo estádio, Brasil e Uruguai se enfrentaram na final da Copa do Mundo e o Uruguai, de virada, derrotou o Brasil deixando milhares de torcedores desolados. Esse acontecimento recebeu até um nome, o “maracanaço”.
F: Sim, e daí?
R: Como e daí? Esse evento assombra os brasileiros até hoje, a mídia explora esse assunto e os jogadores sentem a pressão psicológica dessa derrota em campo. Olha lá, mais um passe errado.
F: Eu, particularmente, não consigo entender o motivo dessa pressão. A derrota do Brasil na Copa de 1950 não significa nada de mais. Foi apenas mais uma decisão na série de 19 edições desse campeonato. Veja bem, como eu disse, de 19 edições, apenas em seis o time do país sede foi o campeão. Se há alguma coisa a ser observada aqui, é que a tendência é da taça ir para um time visitante, não para o da casa. Portanto, esse chamado “maracanaço” não deve ser encarado como um fato extraordinário. Vamos, pare de roer as unhas, o Brasil não está tão ruim assim, o primeiro tempo acabou e o técnico com certeza irá fazer alguns ajustes no time agora no intervalo.
Sim, o jogo está no intervalo, mas Furet e Ricoeur continuam conversando ao mesmo tempo em que o primeiro observa as mudanças na estrutura física do estádio e as expressões nos rostos da torcida, inclusive a de seu amigo. Não compreende tamanha preocupação. Tentou assim, consolar Ricoeur.
F: O problema, como sempre, é que foi atribuído significado a um acontecimento que em si mesmo não tem importância. Esse assunto me lembra a minha desconfiança em relação à história narrativa que toma uma parte como sendo o todo. A narrativa sempre caminha para uma conclusão e somente o seu final é que dá significado aos eventos. Por exemplo, você falou que o Brasil está errando passes devido à pressão psicológica advinda da derrota de 1950. O que poderia ser explicado como sendo apenas uma deficiência técnica ganhou um novo significado completamente diferente por causa de um resultado desfavorável no passado. Essa interpretação pode ou não corresponder à verdade. Por isso, eu acredito que o “maracanaço” e o jogo de hoje não são fatos históricos sozinhos, eles só ganham sentido no tempo ao ser resgatado pelo estudioso que lhe confere importância como parte integrante de uma série de jogos que lhe permita uma comparação. Somente assim, na repetição e na duração, se torna possível perceber as rupturas e, consequentemente, a historicidade de um acontecimento. A história narrativa cristaliza o acontecimento na memória, como no caso do “maracanaço”, mas apenas a história problema descobre coisas que a memória desconhece.
Quando Furet acabou de falar o jogo já havia se reiniciado. Ricoeur decidiu, então, respondê-lo.
R: Antes de explicar porque considero o “maracanaço” um fato histórico, gostaria de fazer algumas considerações a respeito da narrativa. Acredito, como Agostinho, que o tempo não existe em si mesmo, mas possui uma maneira peculiar de ser, por meio de outro ser, ou seja, por meio do homem. Por isso, o tempo não deve ser o objeto direto do historiador, mas sim a sociedade humana. E o tempo humano tem como pressuposto a narrativa. Apenas por meio dela a concordância supera a discordância e a diacronia dos eventos ganha um sentido e um efeito de totalidade. E como Heidegger, acredito que a historicidade de um objeto é uma questão presente, pois o historiador volta-se para o passado e o atribui importância no presente. Com isso em mente, penso o jogo de hoje com o “maracanaço” se fazendo presente através da memória. Sendo assim, o considero como um fato histórico e como uma boa explicação para essa apreensão da torcida e dos jogadores.
A conversa continuava transitando entre futebol e história, enquanto a partida que estava empatada em zero a zero se encaminhava para o final. Foi quando o inesperado mais esperado aconteceu. O Uruguai, novamente ele, marcou um gol. A torcida, com exceção da uruguaia, se silenciou. A derrota dentro de casa com o estádio lotado já não era novidade. O “maracanaço” se fazia mais presente do que nunca no pensamento de cada um ali. O jogo acabou. A massa começava a sair, alguns choravam em seus lugares, outros, a minoria é verdade, comemorava e os dois amigos se despediam sem antes deixar de ratificar o que já tinham falado.
F: Bom, foi uma boa partida afinal. O Uruguai mereceu o resultado pela atuação apresentada. E, novamente, esse jogo não tem importância. Como a tendência demonstra, o visitante ganhou.
R: Gostaria de pensar assim, mas a história da Copa do Mundo e das seleções brasileiras e uruguaias ganhou um novo “maracanaço”.
E assim foram embora, um indiferente e o outro triste, mas com suas concepções inabaladas.

Miriã S.S. Barbato no USP 6838951