segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Diálogo entre Ricoeur e Furet sobre a final da copa de 2014 - Cecilia Salamon 6080001



Paul Ricoeur dirigia-se para a arquibancada do maracanã onde presenciaria a final da copa do mundo de 2014 no Brasil entre o país anfitrião e seu tradicional rival, o Uruguai. E, eis que encontra inesperadamente seu velho amigo François Furet. Uma boa conversa com Furet o faria esquecer sobre o caos que atravessara na cidade para chegar até o estádio. 
- Não sabia que apreciava futebol, Ricoeur.
- Humm, como posso dizer? Gostaria de ver a história passando por de baixo de minha janela, fazendo uma referencia à Hegel quando permaneceu para ver a invasão napoleônica.  
- Furet: Ah, Já que tocou no assunto, como poderíamos contar a história deste jogo?
- Ricoeur: Bom, ambos levamos em consideração que a história é uma narrativa dos acontecimentos do passado elaborada de modo compreensivo. 
- Furet: Sim, mesmo a história problema não abandonou a narrativa.
- Ricoeur: Selecionamos os fatos ao longo do tempo e estabelecemos entre eles uma relação de causalidade que inventamos para interpretar o passado, retiramos os fatos de sua cronologia linear e os representamos de forma diacrônica para dar sentido a nossa narrativa, demarcando um inicio e um fim.
- Furet: O começo desta história remeteria a final da copa de 1950, neste mesmo estádio e com os mesmos atores, onde o Uruguai protagonizou uma vitória sobre o Brasil. E 64 anos depois a mesma final se repete. Mas se levássemos em conta o estruturalismo de Lévi-Strauss prescindiríamos desse pano de fundo histórico para entender o significado da euforia desse momento. No entanto, não estamos tratando de sociedades das quais não conhecemos o passado. A etinologia trata apenas da sincronia e a história trabalha com o tempo diacrônico e sincrônico.
- Ricoeur: Podemos relacionar o sentimento dos jogadores em campo com a teoria do tríplice presente de Santo Agostinho: o presente do passado está na memória dos jogadores que se recordam da final de 1950, aos brasileiros como algo a ser superado e aos uruguaios como uma esperança de repetir o feito. A expectativa dessas realizações também ocorre no presente, mas se referem ao porvir, que constitui o chamado presente do futuro. Somente o presente existe, mas ele não permanece, só existe na menor partícula de tempo, num átimo de tempo que logo deixa de ser presente e se transforma em passado, o qual perdura em nossa memória como uma lembrança. Em essência o tempo é um não-ser e por isso não pode ser medido, o que existe é um tempo humano, apreendido no pensamento, o que existe é a percepção de sua duração, a qual é medida no presente, nas lembranças do passado e na esperança do futuro que temos no presente. 
- Furet: Podemos citar que o jogador de destaque será aquele capaz de lidar com a discordância do tempo, com a sua distensão e intenção, com o tempo de agir e o de padecer. O jogador deve ter consciência da passagem do tempo, da totalidade do jogo, de que a partir de seu inicio, o jogo está caminhando para o fim. Deve buscar a realização de seus intentos, ou seja, a vitória, sendo que à medida que o tempo passa sua tensão e angustia aumentam. Se não me engano, o senhor mesmo já escreveu algo a esse respeito...
- Ricoeur: Sim, de fato. É o que poderíamos chamar de o jogador autentico!
Após essa conversa inicial, ambos acompanharam em silencio os lances do jogo por um longo tempo. A partida já se aproximava de seu final quando Furet retomou a palavra:
- Se fossemos contar a história desse jogo seria uma narrativa dramática! O Uruguai que atacou durante a maior parte do tempo está perdendo no placar e nós expectadores tendemos a torcer pelo lado mais fraco, nos identificamos com eles, os uruguaios sofrem um infortúnio não merecido, uma reviravolta no fim do jogo.
- Ricoeur: Sim, ao contrário de Aristóteles eu considero o drama como uma narrativa, pois também representa ações humanas e organiza os acontecimentos numa cadeia lógica. A narrativa de uma partida de futebol pode ser aproximada ao drama, pelo fato do narrador e dos comentaristas não serem essenciais e os personagens atuarem e não narrarem. 
E ambos continuaram assistindo o jogo em meio a comentários teóricos...

Cecilia Salamon
Noturno
Nºusp: 6080001







Um comentário:

  1. O texto aproximou os autores num diálogo amigável, porém poderia ter explorado mais as diferenças entre eles e possíveis desentendimentos em relação à interpretação da partida. A discussão sobre o tempo foi muito bem feita no texto.

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