segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Et tu, Scripte!

Nossa história começa não se sabe onde, contada por não se sabe quem. Embora sejam essas as perguntas cruciais que instigam os seres que lá habitam, ainda há pouco conclusivo, por mais que deva dizer que as abordagens e teorias sejam as mais complexas, do muito construído raras são as ponderações que se mantém inquestionáveis, e uma delas é que este lugar, definitivamente é branco. E o principal motivo disso foi Kant afirmar que o piscar lhe dá noção do oposto, onde nada lhe era compreensível aos olhos, sem alterar-lhe a capacidade de reconhecer a mesma realidade pelo som, postula que existiria assim, a luz e a sua ausência pela negação do ver. Isaac complementou que aos olhos abertos se reconhecia várias cores, o que só faria sentido se aquele lugar possuísse todas, sendo assim, branco.
Mas mesmo isso devo dizer que não é consenso, pois Friedrich cospe-lhe por debaixo de seu prolixo bigode sempre que o vê e atira-lhe uma maçã à cabeça. O que se pode fazer? Todos têm seus momentos de solipsismo neste lugar, apesar que tal concepção é realmente forte nele desde que chegou aqui.
Bom, mas o que interessa é que, ao acaso ou não, e isso também é motivo de debates aprofundados, temos dois Sócrates. O primeiro, se faz em grego antigo e sua vivência já se tornou exaustiva entre os outros, pois desde que acometido por Alzheimer, insiste em perguntar a todos sempre as mesmas coisas. Nem Platão lhe dá mais ouvidos, preferindo a companhia de cléricos medievais. Mas há um segundo, e este se fez recente, por mais que o tempo não existe aqui da mesma forma, – e correlatamente, suas memórias sobre este lugar – perambula entre os homens das ciências do corpo mas parece inquieto, insatisfeito, sem jamais poder realizar-se plenamente (Ao menos é o que Hegel anda dizendo por suas costas).
Não demorou até que fosse visto triste à margem dos outros e então, numa tarde, e quem afirmou isso foi Saramago, ouviu-se bradamente ecoar pela imensidão do branco que a tudo rodeia a voz estridente de Arquimedes entoando ao alto um ressonante e explosivo grito – Eureka! - e assim, se me permitem, clareou-se o nosso entender.
Sócrates, o segundo, sentia falta de sua maior paixão – eu sei, eu sei, os gregos o tiveram mal por isso, mas Sidartha o compreendeu, ainda mais por vê-lo reprimi-la em tal lugar – que então se fez ao entendimento de todos e era o futebol.
Decididos a auxiliá-lo, ao menos uma vez, pois de uma forma ou de outra, quase todos alí se saciavam no saber, mas ninguém, por mais que Sócrates insistisse, se interessava em aprender aquela atividade, - E o pior, não haviam bolas, e Nietzsche se fazia cada vez mais zangado por lhe roubarem as maçãs, que sabe-se onde conseguira arrumar. - Parmênides decidiu que dois dentre eles deveriam levá-lo para assistir algum evento futebolístico, algo que o acalentasse e gerasse um “novo Sócrates”.
Em Assembléia, um tanto conturbada com ponderações de Bakunin e Karl levando a quase implosão desta, - ainda mais quando viram Sartre culpando os indivíduos da plenária por cada discondância que surgia. - decidiram que seria Furet e Ricoeur.
E quando menos imaginaram, já se viam no Maracanã, em 11 de Julho de 2014, um domingo acalorado, fez questão de anotar em suas notas, Ricoeur.
Sócrates , o futebolista, se via abobado, perdido no meio daquela multidão de sensações, suores e pessoas. Havia apenas um problema, não estavam na arquibancada do Brasil, mas na do Uruguai.
Então, algo curiosíssimo aconteceu. Não sei, eu, o narrador, em quem acreditar.
Ricoeur enumera-me todos os eventos daquele jogo e é enfático ao dizer que fizeram história, claro, diz-me compreender a temporalidade daquela partida, como também daquela copa e mesmo da trajetória de todas aquelas seleções. É enfático ao descrever grandiosidade da final, como momento decisivo na escrita daquela copa na memória de todas as copas. Até brinca, que a gravação da seleção vitoriosa desta partida na taça que o capitão levantou à visão da torcida, exemplifica sua fixação na narrativa histórica em que tal país, time, desporto se inserem.
Sócrates foi um tanto quanto ufanista, diz que delirou a cada lance da seleção brasileira, seja no incisivo ataque ou na esparssa e atuante defesa. Do mesmo modo sofreu a cada falta, contra ataque ou gol que o Brasil sofreu. Sobre isso se absteve a detalhes e de modo quieto, sisudo, relatava o mais frio e rápido que podia fazer, evitando até objetos indiretos em suas frase. Porém, nada, nem mesmo a decisão nos penaltis, cabendo ao sétimo cobrador da seleção do Uruguai a resolução da disputa mais acirrada da história da competição, chamou mais sua atenção que a fatalidade que acometeu Neymar. Não, não por alguma idealização que ele possa ter por tal jogador, mas como devem saber, alguns atributos destes seres que nomeei aqui, quando chegam a esse lugar que não se sabe onde, tendem-se a se aguçar, acentuar mesmo, de alguns até chega a extremos, vê-se o solipsismo de Wilhelm. E não foi diferente com Sócrates, o segundo, que então pode-se recordar que seu prefixo terreno: Doutor.
Desta maneira, aquela ruptura do ligamento cruzado posterior e do cruzado medial, fez a catilagem articular e a membrana sinovial, conjuntamente com a patela deslocar-se sobre o fêmur esquerdo. Sem dúvida, isso foi o que atraiu maior atenção ao nosso ex-atleta, músico, ator, e tudo mais que havia em seu lattes, que não tardou em desaparecer-se com o fundo deste estranho lugar. Ele ficou repetindo sobre isso a todos os demais, e Sócrates, o primeiro, ficou com um sincero ciúmes, pois tirando os pontífices e reis, poucos outros haviam a titulação numero em sulfixo, mas isso é discurso para ocultar a disputa de poder entre eles, dizia Foucault. Não tardou em ficar Sócrates e Dr. Sócrates.
Mas o futebol não fora esquecido. Furet voltou outro da partida. Sobre ela em si dizia pouco, falava que era insignificante enquanto narrativa, pois aquele evento, por ser um mero movimento em si, pouco dizia sobre a complexa realidade futebolística. Discordava profundamente da ideia eliminatória das oitavas, quarta, semi e finais em tais competições. Enlouqueceu ao saber como passou a ser realizar os campeonatos brasileiros dentre os finais do século XX e inicios do XXI, onde um jogo em si não importava, mas todo o desenvolvimento do time ao longo da competição. Dizia haver aí a possibilidade de uma problemática se instaurar e a partir da análise das partidas pertinentes inferirmos algo sobre o evento como um todo.
Ricoeur ria abundantemente disso e afirmava que então, fugia-se de uma narrativa para construir outra em seguida. A narrativa se faria permanentemente presente.
Furet se enfurecia e dizia que tal história só haveria como uma postulação consciente a partir e permeada constantemente por um problema chave, que diz mais sobre o presente do postulador que do evento em si, e para tal este se faria compreensível, e somente assim a história se mantém. Somente assim um campeonato possuiria a validade histórica, não dependendo de “casualidades”. O campeão legítimo se faria nisso.
Ricoeur meio contrariado prostra-se para contra-argumentar mas Furet o ignora e vira-se para mim e diz que eu não deveria dar novas falas a Paul, uma vez que este texto mesmo, finge-se narrativo, mas está construído em cima de uma problemática clara, e que todos que o lerem há de ter claro isso, pois infortunamente – ele ria ao dizer – não sairá de um sítio num lugar também infinito mas não branco, chamado internet.

Gustavo Henriques Urbano de Mello
Nº 7200083

Um comentário:

  1. Achei que apresentou introdução muito extensa e desviante da proposta! Porém, apesar de não focar o contexto proposto – o do jogo, o texto trabalhou bem com os conceitos dos autores, com a boa ideia de colocar Furet valorizando o jogo enquanto integrante de um campeonato.

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