segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Análise do filme Sr. Ninguém de Jaco van Dormael


Análise do filme Sr. Ninguém de Jaco van Dormael
 

Sr Niguém é um filme que chama a atenção, ou melhor, levanta questionamentos pela sua construção narrativa fragmentada, à primeira vista, sem conexão entre todas as histórias apresentadas. Fruto dos relatos provenientes da memória, da criatividade, das possibilidades, ou seja, de processos cognitivos humanos, essa maneira de contar gera dúvidas inclusive de uma das personagens, que diz não ser possível que as histórias de Nemo Nobody sejam verdadeira: “De todas essas vidas, qual delas é a correta?”. Elas não caberiam em uma narrativa onde os fatos se sucedem e não estamos acostumados quando nosso conhecimento de tempo linear e lógico é afrontado. Apesar de causar uma certa estranheza, o questionamento de uma história-narrativa, ou seja, baseada em fatos significativos que caminham para uma conclusão final, são levantados há algum tempo pela vertentes pós-modernas da história, a resposta dada por Nemo ao repórter que questiona a veracidade de suas versões é: “Cada uma dessa vidas é a correta”. Em certo nível, tomando como base as consideração sobre a tragédia feitas por Ricoeur, aqui, a trama é feita por ações, mesma quando afeitas ao destino, ao inevitável, e existe também um caminho que culmina na concordância completa entre elas.

Tratando-se de cenas específicas, um excerto do filme coloca o tempo como uma dimensão do universo (uma de suas várias dimensões seria a temporal) e se pergunta a possibilidade de outras dimensões serem também temporais, o que juntas, poderia causar contextos diferentes e concomitantes. Se tomarmos como base o estudo apresentado por Ricoeur sabemos que isso não seria possível, ora, o tempo só pode ser tomado enquanto age na alma, ou seja, ele só poderia ser tomado enquanto sua esfera humana. Ou seja, ele até poderia existir em outras dimensões com humanos, já sem o homem o tempo não é, porque não é medido, ou seja, a dimensão temporal não está lá desde o Big Bang como colocado. É por isso que o garoto Nemo não pode voltar no tempo, ou se lembrar do futuro, porque ele só existi enquanto é ação em sua alma, o passado age no presente pela memória e o futuro como expectativa, como algo que se sabe que está por vir, consequentemente. que também parte do presente.

A sensação de passagem do tempo é exposta por Anna em sua adolescencia: “Dizem que se você diminuir a respiração, o tempo diminui” de fato, a sensação de tempo pode ser variada, entretanto, não é a partir do não movimento do corpo que o tempo estancaria. Ainda continuaríamos a distender a alma e estender o tempo já considerando sua divisão dos três presentes. As próprias possibilidades pensadas pelo garoto que tem de escolher por um dos pais são possibilidades de distensão de sua alma a partir expectativas de futuros vindas de suas previsões.

Como não há uma temporalidade linear, o início do filme seria um fim. Fim das várias personagens, de todas as suas possibilidade de existência. A morte torna-se algo que não se pode escapar mesmo sabendo-se dela. O destino humano está além das escolhas no seu caminho, assim como mostra o exemplo da pomba, que pensa que suas ações são responsáveis pela comida que recebe, apesar, de não ser verdade. Ou seja, a despeito de tudo que faz, o homem estaria sujeito a algo que não controla, que é seu fim, sua morte. É a angustia que aparece em Heidegger como algo que nos torna humano, que nos coloca no sistema da temporalidade, ou seja, nas distensões da alma e extensão do tempo . As categorias de temporalidade aparecem na análise de Boros sobre Agostinho retomada por Ricoeur como 4 imagens, que são a como "dissolução" ligam-se as imagens do arruinar, do desaparecer, do enterramento progressivo, do fim não-satisfeito,da dispersão, da alteração, da indigência copiosa; da temporalidade como "agonia" emergem as imagens da caminhada em direção à morte, da doença e da fragilidade, da guerra intestina, de cativeiro nas lágrimas, de envelhecimento, de esterilidade; a temporalidade como "banimento" agrupa as imagens da tribulação, do exílio, da vulnerabilidade, da errança, da nostalgia, do desejo vão; enfim, o tema da "noite" governa as imagens da cegueira, da obscuridade, da opacidade.” (Ricoeur, p.53) E este é um ponto que liga toda a narrativa, a morte independente das possibilidades de distensão imaginadas pelo garoto.


Aluno: Rafael Lima Capellari           Nº USP: 6837800               Período: Noturno

Um comentário:

  1. Boa análise, a utilização de Ricoeur para compreender a narrativa fílmica foi bastante pertinente.

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