Análise
do filme Sr. Ninguém de
Jaco
van Dormael
Sr
Niguém é um filme que chama a atenção, ou melhor, levanta
questionamentos pela sua construção narrativa fragmentada, à
primeira vista, sem conexão entre todas as histórias apresentadas.
Fruto dos relatos provenientes da memória, da criatividade, das
possibilidades, ou seja, de processos cognitivos humanos, essa
maneira de contar gera dúvidas inclusive de uma das personagens, que
diz não ser possível que as histórias de Nemo Nobody sejam
verdadeira: “De todas essas vidas, qual delas é a correta?”.
Elas não caberiam em uma narrativa onde os fatos se sucedem e não
estamos acostumados quando nosso conhecimento de tempo linear e
lógico é afrontado. Apesar de causar uma certa estranheza, o
questionamento de uma história-narrativa, ou seja, baseada em fatos
significativos que caminham para uma conclusão final, são
levantados há algum tempo pela vertentes pós-modernas da história,
a resposta dada por Nemo ao
repórter que questiona a veracidade de suas versões é:
“Cada uma dessa vidas
é a correta”. Em
certo nível, tomando como base as consideração sobre a tragédia
feitas por Ricoeur, aqui, a trama é feita por ações, mesma quando
afeitas ao destino, ao inevitável, e existe também um caminho que
culmina na concordância completa entre elas.
Tratando-se de cenas específicas, um excerto do filme coloca o
tempo como uma dimensão do universo (uma de suas várias dimensões
seria a temporal) e se pergunta a possibilidade de outras dimensões
serem também temporais, o que juntas, poderia causar contextos
diferentes e concomitantes. Se tomarmos como base o estudo
apresentado por Ricoeur sabemos que isso não seria possível, ora, o
tempo só pode ser tomado enquanto age na alma, ou seja, ele só
poderia ser tomado enquanto sua esfera humana. Ou seja, ele até
poderia existir em outras dimensões com humanos, já sem o homem o
tempo não é, porque não é medido, ou seja, a dimensão temporal
não está lá desde o Big Bang como colocado. É por isso que o
garoto Nemo não pode voltar no tempo, ou se lembrar do futuro,
porque ele só existi enquanto é ação em sua alma, o passado age
no presente pela memória e o futuro como expectativa, como algo que
se sabe que está por vir, consequentemente. que também parte do
presente.
A
sensação de passagem do tempo é exposta por Anna em sua
adolescencia: “Dizem que se você diminuir a respiração, o tempo
diminui” de fato, a sensação de tempo pode ser variada,
entretanto, não é a partir do não movimento do corpo que o tempo
estancaria. Ainda continuaríamos a distender a alma e estender o
tempo já considerando sua divisão dos três presentes. As próprias
possibilidades pensadas pelo garoto que tem de escolher por um dos
pais são possibilidades de distensão de sua alma a partir
expectativas de futuros vindas de suas previsões.
Como
não há uma temporalidade linear, o início do filme seria um fim.
Fim das várias personagens, de todas as suas possibilidade de
existência. A morte torna-se algo que não se pode escapar mesmo
sabendo-se dela. O destino humano está além das escolhas no seu
caminho, assim como mostra o exemplo da pomba, que pensa que suas
ações são responsáveis pela comida que recebe, apesar, de não
ser verdade. Ou seja, a despeito de tudo que faz, o homem estaria
sujeito a algo que não controla, que é seu fim, sua morte. É a
angustia que aparece em Heidegger como algo que
nos torna humano, que nos coloca no sistema da temporalidade, ou
seja, nas
distensões da alma e extensão do tempo .
As
categorias de temporalidade aparecem na análise de Boros sobre
Agostinho retomada por Ricoeur como 4 imagens, que são a como
"dissolução" ligam-se as
imagens do arruinar, do desaparecer, do enterramento progressivo, do
fim não-satisfeito,da dispersão, da alteração, da indigência
copiosa; da temporalidade como "agonia" emergem as imagens
da caminhada em direção à morte, da doença e da fragilidade, da
guerra intestina, de cativeiro nas lágrimas, de envelhecimento, de
esterilidade; a temporalidade como "banimento" agrupa as
imagens da tribulação, do exílio, da vulnerabilidade, da errança,
da nostalgia, do desejo vão; enfim, o tema da "noite"
governa as imagens da cegueira, da obscuridade, da opacidade.”
(Ricoeur,
p.53) E este é um ponto que liga toda a narrativa, a morte
independente
das possibilidades de distensão imaginadas pelo garoto.
Aluno:
Rafael Lima Capellari Nº USP: 6837800
Período: Noturno
Boa análise, a utilização de Ricoeur para compreender a narrativa fílmica foi bastante pertinente.
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