Estamos em 13 de julho de 2014, e intervalo de
jogo no Maracanã. O placar marca a igualdade de um a um; Neymar
abriu o placar para a seleção canarinho e Cavani empatou para a
celeste.
Na torcida da seleção da casa estão dois
brasileiros, que como tantos outros, não conseguem pensar em mais
nada além de futebol neste domingo: Francisco Furet da Silva e Paulo Ricoeur
Pereira. Enquanto ambos saboreiam da mesma forma seus biscoitos Globo com Guaraná Antártica, a
intuição sobre o resultado final da partida parece bem divergente.
- F. Furet: Paulão, estou preocupado. O Uruguai
teve 6 escanteios contra apenas 1 do Brasil. Já tomamos 2 amarelos e
eles não tomaram nenhum. A posse de bola ao longo do primeiro tempo
deve ter sido de cerca de 60% do time uruguaio.
- P. Ricoeur: Poxa, Chiquinho, não é assim que
eu contaria a história do jogo. Esses números em si não me dizem
nada.
- F. Furet: Certamente não dizem! Porém escolhi
esses números para substanciar a minha análise. Mas para você,
qual a história do jogo?
- P. Ricoeur: Sabemos do grande momento da
seleção uruguaia, o futebol envolvente que demonstrou durante a
Copa e como venceu e convenceu até aqui. Nossa seleção, por outro
lado, vem conseguindo vitórias apertadas na base da empolgação.
- F. Furet: Sim, claro. Não precisa narrar o que
aconteceu, até porque um mero encadeamento cronológico de
acontecimentos em si não me diz muita coisa.
- P. Ricoeur: Calma, Chiquinho, estou apenas
mencionando o que ambos já sabíamos antes de a história deste jogo
de fato começar. A expectativa era de que eles viessem para cima
mesmo, e assim o fizeram. O Cavani e o Suárez prenderam muito bem a
bola no ataque, mas não conseguiram passar pelo Dedé. E foi dos pés
do zagueiro brasileiro, ao desarmar o Suárez, que surgiu o
lançamento para o contra-ataque que terminou no gol de Neymar, que
contou com a falha da zaga uruguaia na primeira vez que foi exigida.
Em seguida houve mais pressão uruguaia que acabou por resultar em gol com a
bela cobrança de falta do Forlán. Foi assim o primeiro tempo.
- F. Furet: Paulão, embora a intriga que você
criou na sua narrativa não tenha tido essa intenção, ela somente
faz aumentar a minha preocupação diante do que eu já pensava sobre o
jogo.
- P. Ricoeur: Naturalmente. Você já possuía um
conjunto pré-configurado de conceitos sobre as seleções, sobre os
quais expus a minha narrativa da realização das ações dos
jogadores, que você, como interlocutor, recebeu e ressignificou a
sua maneira.
- F. Furet: Não discordo da sua narrativa, mas
como tal ela é desprovida de uma análise mais aprofundada. Tome por
exemplo o posicionamento do time durante a falta cobrada pelo Forlán,
e vamos analisar o que aconteceu. A estrutura do time estava
despreparada: havia 4 homens na barreira, 4 atrás da linha da bola e
outros 2 na entrada da área, dando posição legal aos atacantes
adversários. Em 5 cobranças desse tipo ao longo da Copa, o Uruguai
sempre teve o rebote quando a bola não entrou de primeira. Essa
organização, nesse dado momento, já apontava para as dificuldades
que o Brasil teria no desenrolar dos acontecimentos.
- P. Ricoeur: Mas...
Um apito pós-modernista ressoa de dentro do
campo, inaugurando o segundo tempo de jogo e encerrando – pelo
menos enquanto durar a etapa complementar – a discussão entre os
amigos.
Carlos Murray - Número USP: 7199353
Pelo menos dessa o Ricoeur não saiu como herói ! gostei.
ResponderExcluirBom diálogo, texto bem escrito e gostoso de ler. Atendeu à proposta inicial, contrapôs os autores em relação à preponderência da narrativa para Ricoeur e da história serial para Furet.
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