segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Boleiros intelectuais


Estamos em 13 de julho de 2014, e intervalo de jogo no Maracanã. O placar marca a igualdade de um a um; Neymar abriu o placar para a seleção canarinho e Cavani empatou para a celeste.

Na torcida da seleção da casa estão dois brasileiros, que como tantos outros, não conseguem pensar em mais nada além de futebol neste domingo: Francisco Furet da Silva e Paulo Ricoeur Pereira. Enquanto ambos saboreiam da mesma forma seus biscoitos Globo com Guaraná Antártica, a intuição sobre o resultado final da partida parece bem divergente.

- F. Furet: Paulão, estou preocupado. O Uruguai teve 6 escanteios contra apenas 1 do Brasil. Já tomamos 2 amarelos e eles não tomaram nenhum. A posse de bola ao longo do primeiro tempo deve ter sido de cerca de 60% do time uruguaio.

- P. Ricoeur: Poxa, Chiquinho, não é assim que eu contaria a história do jogo. Esses números em si não me dizem nada.

- F. Furet: Certamente não dizem! Porém escolhi esses números para substanciar a minha análise. Mas para você, qual a história do jogo?

- P. Ricoeur: Sabemos do grande momento da seleção uruguaia, o futebol envolvente que demonstrou durante a Copa e como venceu e convenceu até aqui. Nossa seleção, por outro lado, vem conseguindo vitórias apertadas na base da empolgação.

- F. Furet: Sim, claro. Não precisa narrar o que aconteceu, até porque um mero encadeamento cronológico de acontecimentos em si não me diz muita coisa.

- P. Ricoeur: Calma, Chiquinho, estou apenas mencionando o que ambos já sabíamos antes de a história deste jogo de fato começar. A expectativa era de que eles viessem para cima mesmo, e assim o fizeram. O Cavani e o Suárez prenderam muito bem a bola no ataque, mas não conseguiram passar pelo Dedé. E foi dos pés do zagueiro brasileiro, ao desarmar o Suárez, que surgiu o lançamento para o contra-ataque que terminou no gol de Neymar, que contou com a falha da zaga uruguaia na primeira vez que foi exigida. Em seguida houve mais pressão uruguaia que acabou por resultar em gol com a bela cobrança de falta do Forlán. Foi assim o primeiro tempo.

- F. Furet: Paulão, embora a intriga que você criou na sua narrativa não tenha tido essa intenção, ela somente faz aumentar a minha preocupação diante do que eu já pensava sobre o jogo.

- P. Ricoeur: Naturalmente. Você já possuía um conjunto pré-configurado de conceitos sobre as seleções, sobre os quais expus a minha narrativa da realização das ações dos jogadores, que você, como interlocutor, recebeu e ressignificou a sua maneira.

- F. Furet: Não discordo da sua narrativa, mas como tal ela é desprovida de uma análise mais aprofundada. Tome por exemplo o posicionamento do time durante a falta cobrada pelo Forlán, e vamos analisar o que aconteceu. A estrutura do time estava despreparada: havia 4 homens na barreira, 4 atrás da linha da bola e outros 2 na entrada da área, dando posição legal aos atacantes adversários. Em 5 cobranças desse tipo ao longo da Copa, o Uruguai sempre teve o rebote quando a bola não entrou de primeira. Essa organização, nesse dado momento, já apontava para as dificuldades que o Brasil teria no desenrolar dos acontecimentos.

- P. Ricoeur: Mas...


Um apito pós-modernista ressoa de dentro do campo, inaugurando o segundo tempo de jogo e encerrando – pelo menos enquanto durar a etapa complementar – a discussão entre os amigos.



Carlos Murray - Número USP: 7199353





2 comentários:

  1. Pelo menos dessa o Ricoeur não saiu como herói ! gostei.

    ResponderExcluir
  2. Bom diálogo, texto bem escrito e gostoso de ler. Atendeu à proposta inicial, contrapôs os autores em relação à preponderência da narrativa para Ricoeur e da história serial para Furet.

    ResponderExcluir