Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Departamento de História
Disciplina: Teoria da História II – 2º Sem. de 2013
Prof. José Antonio Vasconcelos
ALUNO: Rogério Ricciluca Matiello Félix – nº USP 7198380
Avalição
1: diálogo entre as personagens François Furet e Paul Ricoeur
“Quem escreve deve saber que suas criações não
são mais suas, mas de quem as lê.” (Frase de agenda. Mas veio a calhar...)
Durante
o intervalo após o primeiro tempo, comenta Paul RICOEUR com François FURET:
PR:
- Este time está jogando muito mal, já não é o Uruguai de 1950!
FF:
- Mas não pode mesmo ser, pois esse é um time que ficou no passado. Além disso,
deve-se por os pingos nos “iis”: não é o time todo, mas parte dele: veja só
como funciona bem a zaga com Lugano e Diego Godin. O ataque tem potencial, se
comparado percentualmente ao Brasil, mas o meio de campo deixa a desejar... Além
do mais, deve-se considerar a empolgação da torcida e os momentos históricos de
ambos, por exemplo...
PR- Oras,
Furet, eu vim aqui para assistir ao jogo! E além do mais o que você está
fazendo é também uma narrativa. É o mesmo que os estruturalistas e marxistas
que você tanto critica fazem e o que a historiografia do século XIX fez.
FF:
Não é uma narrativa, é uma história serial! Os dados são testemunhos de
acontecimentos passados, a serem comparados através da análise balanceada de
dados qualitativos e quantitativos. Assim eles nos permite fazer uma História que
parte de problemas, bem diferente de uma narrativa globalizante. Veja bem: 1950
marcou o apogeu futebolístico do Uruguai em seu segundo título da Copa e o
quarto mundial, se contarmos com as Olimpíadas. Depois disso a pequena
população, seu envelhecimento e o pequeno crescimento junto com o forte
declínio econômico e também dos grandes times locais, como o Nacional e o
Peñarol, levaram ao enfraquecimento da seleção.
PR -
Não Furet, você não está entendendo: elencar dados para uma análise serial,
mesmo que o resultado de sua tese saia dos gráficos de um computador é ainda
assim uma narrativa! É inescapável!
O
nosso próprio ser no tempo só pode se dar por um narrar dos fenômenos que nos
circundam através de uma linha lógica! Pela hermenêutica pré-figuramos a
realidade, a configuramos em uma trama narrativa e depois ela é reconfigurada, ou
por terceiros ou por nós mesmos.
Tal
e qual os jogadores no gramado fazem essa final do mundial, nós “fazemos o
tempo”, como dizia S. Agostinho, que por sinal está atrás do gol do Uruguai
fazendo uma prece a S. Jorge para ver se o Paulinho faz um gol... Só o “fazemos”
por encadear fenômenos difusos; só os encadeamos ao narrar. Portanto narramos o
tempo enquanto o fazemos.
Meu
caro Furet, da mesma maneira como você elencou seus dados e números sobre
eventos tão minuciosos, eu fiz a generalização sobre La Celeste atendo-me a um dado igualmente selecionado de forma arbitrária,
construindo ambos uma “intriga” narrativa.
Tal seleção
não poderia ter deixado de ser idiossincrática: da mesma maneira como Heidegger
(que está nas cadeiras numeradas), diz que o historiador só determina qual
segmento ou aspecto do passado se relacionará com o presente para ser escrito
em função do “vigor de ter sido” (Gewessenheit),
só aquilo que é “excepcional” é captado por nós. É justamente o que ocorre com
nosso mapeamento cognitivo, o qual os arquitetos pós-modernos adoram confundir
como no Hotel Bonaventure e também nesses estádios superfaturados que fizeram
para a Copa no Brasil...
Assim, quando eu generalizei los orientales, eu captei a parte “muito
fraca” e não vi a(s) “parte(s) forte(s)” que porventura existem, pois isto depende
do juízo de valor do observador, que as escolhe arbitrariamente dentre o rol de
fenômenos possíveis de serem observados.
E o
mesmo ocorre contigo, Furet: mesmo que avalie qualitativamente a zaga e o
ataque, quantitativamente o numero de chutes a gol, os dados socioeconômicos da
torcida, sua atenção nunca capta a totalidade e muito menos constitui a verdade
absoluta, apesar de os números serem expressões fidedignas de observação.
É a
mesma coisa que narrar a duração de um evento: o 16 de julho de 1950 pode ser
um começo, meio ou fim. Tal dia marca o auge do time Uruguaio e o inicio de sua
decadência posterior; já para o Brasil, apesar da derrota, essa data iniciou
uma fase de ouro, que se manifestou com a vitória em 1958 e outras quatro até
2002!
FF:
acho que nós não estamos falando a mesma língua Ricoeur! Eu estou tratando de aspectos
metodológicos da História, e você da própria forma como nós seres humanos vivenciamos
o tempo!
PR:
eu compreendo Furet: o que estou te dizendo não se limita ao fazer metodológico
desse tipo específico de narrativa que é a História, mas digo que as tuas
preocupações estão apenas relacionadas com a prefiguração, a primeira mimese do
processo hermenêutico, da coleta das fontes e compreensão do código linguístico
pelo historiador; e com a configuração, a segunda mimese, quando se escreve a
trama segundo o estilo de historiografia que se quer seguir. Você o faz com a esperança
de ser objetivo na apresentação das fontes a ponto de convencer aqueles que
farão a reconfiguração de tal trabalho, a terceira mimese.
Quanto
a mim, dou grande atenção a todo esse ciclo hermenêutico, especialmente quando
operado com o intuito historiográfico, pois ele permite reabilitar, quando da
realização da terceira mimese, a própria primeira mimese. É dessa forma que a História
se torna um terceiro tempo na fronteira entre o tempo do S. Agostinho e do
Aristóteles, que não gosta muito de futebol, mas decerto virá para a Olimpíada.
Não
discordo dessa preocupação dos grandes historiadores que rejeitaram o estatuto
de narratividade da História, mas digo que eles deveriam se dar conta de que o
“desfile de números” apresentados em suas teses com ares de cientificidade
continuam sendo narrativas. Aliás, bem que eles poderiam fazer textos mais agradáveis
à leitura!
FF:
muito provavelmente eles lhe aconselhariam isto mesmo Ricoeur... Agora vamos assistir
o segundo tempo e ver se o Brasil vai ganhar ou se o Uruguai comprou o jogo, já
que segundo o Marx eles só ganham de novo se for uma farsa!
Texto muito bom, referências teóricas bem consistentes. O Ricoeur foi tratado com muito esmero no diálogo, assim poderia ter dado mais "voz" ao Furet e criado maior confronto de ideias, porém, mesmo assim, a diferença entre ambos ficou visível tendo em vista a narrativa em Ricoeur e as séries numéricas de Furet. já que citou Agostinho e Aristóteles na conversa, poderia ter explorado mais as diferentes concepções de tempo.
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