Domingo, 13 de janeiro
de 2014. Rio de Janeiro. Final da Copa Mundial de Confederações.
Dois senhores
distintos, já com os cabelos rareando, observam o movimento da multidão nas
arquibancadas do Maracanã durante o intervalo entre o primeiro e o segundo tempo.
A peleja entre Brasil e Uruguai continua no zero a zero. Uma discussão atípica para
aquele ambiente tem início.
François Furet –
torcedor inveterado da seleção canarinho – diz impaciente ao amigo, enquanto
mentalmente volta a se indagar qual mesmo teria sido o motivo pelo qual ele
aceitou o convite de Paul Ricoeur, mesmo não tendo conseguido ele próprio
ingressos para a final:
“Pô
Ricoeur! Para com isso! Não é por que terminamos o primeiro tempo no zero a
zero que o desastre da Copa de 50 vá se repetir. Concordo que até agora algumas
semelhanças com a fatídica data possam ser observadas... Mas mesmo assim! Chega
de gorar o jogo com esse papo de que o passado não existe em si mesmo e que nós
é que construímos a memória do presente fazendo referência ao passado. Achei
que tínhamos combinado que esses debates ficariam restritos à academia... A
última vez que isso aconteceu nós só não perdemos o gol decisivo porque o
vendedor de água derrubou o isopor na sua cabeça.”
Paul Ricoeur, torcedor
roxo da seleção do Uruguai, leva automaticamente as mãos à cabeça ao se lembrar
do incidente. Aparentemente ele e Furet não conseguiam mesmo passar mais de uma
hora sem cair numa discussão teórica. O tema história crítica e história
problema já tinha feito muitas vezes parte destas discussões, mas os dois
pareciam não conseguir nunca chegar a um acordo. E outra, pensou Ricoeur,
alguma ação cairia bem agora no intervalo já que o jogo até então tinha sido
tão parado – afinal de contas, de ações e paixões que se fazia possível sentir
a passagem do tempo, não?
“Caro
amigo François, só estou passando o tempo com uma conversa agradável... Mas
como eu estava dizendo antes de você se exaltar, só com essa sua teoriazinha da
história serial não podemos pressupor que desta vez o Brasil será campeão...”
‘Que sujeitinho
arrogante’ pensa Furet, ‘e ainda dizem que o arrogante sou eu!’. Ao responder à
provocação, já meio acalorado, se utiliza de sua própria bibliografia.
“Se
‘Vossa Excelência’ permitir, citarei meu próprio trabalho, porque afinal não
são as fontes que definem sua problemática, mas sim sua problemática que define
as fontes... No estabelecimento de séries ‘ as fontes estruturalmente
numéricas, reunidas como tais, e utilizadas pelo historiador para responder as
questões diretamente ligadas ao seu campo original de investigação’ demonstram
uma ‘revolução na consciência historiográfica’. O fato do Brasil, depois do
desastre de 1950, nunca mais ter perdido UM jogo para o Uruguai no Maracanã
prova que o peso daquela derrota paira até hoje sobre a seleção brasileira, e
estes farão o impossível para não repetir a tragédia no final desta copa do
mundo, portanto não perderão. Vê se aceita a realidade então ô vacilão!”
Soa o apito. Ambos
sentem certo alívio por não seguirem com a discussão, evitando assim com que os
ânimos se exaltassem. Não seria a primeira vez que seriam tirados de algum
lugar aos tapas. Para o horror de Furet, faltando dez minutos para o fim da
partida o Uruguai faz o gol da vitória. Passam-se os minutos restantes e o jogo
é encerrado, desencadeando uma catarse de tristeza nacional.
Um Furet cabisbaixo,
ladeado pelo sorridente Ricoeur, segue em direção à saída. Ricoeur, agora um
pouco arrependido pelas provocações que fez, tenta animar o amigo.
“Ah
Furet! Não fique assim meu amigo... Você, historiador, como um leitor dos
acontecimentos passados, atribuiu um significado para os eventos que observou –
e naturalmente não pôde ignorar o que realmente aconteceu. Como no caso da
final de 1950, o passado aconteceu, mas o futuro permanece cheio de
possibilidades! Vamos lá, eu te pago uma cerveja antes de pegarmos o avião para
a França.”
Furet respondeu com um
muxoxo... Não estava com animo para começar um debate. Então seguiram, mais uma
vez sem encerrar a discussão, de volta para a terra do croissant.
Ana Claudia Camargo Feliputi - nº USP 6555302 - Noturno
Muito bom exercício, relacionou bem os conceitos dos autores com o contexto do jogo . Original o modo como utilizou o Furet para acreditar que o Brasil ganharia, tendo em vista o peso da última derrota para o Uruguai e a sua decepção com as possibilidades da História dentro de um processo de longa duração.
ResponderExcluir