segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Provocações

Domingo, 13 de janeiro de 2014. Rio de Janeiro. Final da Copa Mundial de Confederações.

Dois senhores distintos, já com os cabelos rareando, observam o movimento da multidão nas arquibancadas do Maracanã durante o intervalo entre o primeiro e o segundo tempo. A peleja entre Brasil e Uruguai continua no zero a zero. Uma discussão atípica para aquele ambiente tem início.

François Furet – torcedor inveterado da seleção canarinho – diz impaciente ao amigo, enquanto mentalmente volta a se indagar qual mesmo teria sido o motivo pelo qual ele aceitou o convite de Paul Ricoeur, mesmo não tendo conseguido ele próprio ingressos para a final:

“Pô Ricoeur! Para com isso! Não é por que terminamos o primeiro tempo no zero a zero que o desastre da Copa de 50 vá se repetir. Concordo que até agora algumas semelhanças com a fatídica data possam ser observadas... Mas mesmo assim! Chega de gorar o jogo com esse papo de que o passado não existe em si mesmo e que nós é que construímos a memória do presente fazendo referência ao passado. Achei que tínhamos combinado que esses debates ficariam restritos à academia... A última vez que isso aconteceu nós só não perdemos o gol decisivo porque o vendedor de água derrubou o isopor na sua cabeça.”

Paul Ricoeur, torcedor roxo da seleção do Uruguai, leva automaticamente as mãos à cabeça ao se lembrar do incidente. Aparentemente ele e Furet não conseguiam mesmo passar mais de uma hora sem cair numa discussão teórica. O tema história crítica e história problema já tinha feito muitas vezes parte destas discussões, mas os dois pareciam não conseguir nunca chegar a um acordo. E outra, pensou Ricoeur, alguma ação cairia bem agora no intervalo já que o jogo até então tinha sido tão parado – afinal de contas, de ações e paixões que se fazia possível sentir a passagem do tempo, não?

“Caro amigo François, só estou passando o tempo com uma conversa agradável... Mas como eu estava dizendo antes de você se exaltar, só com essa sua teoriazinha da história serial não podemos pressupor que desta vez o Brasil será campeão...”

‘Que sujeitinho arrogante’ pensa Furet, ‘e ainda dizem que o arrogante sou eu!’. Ao responder à provocação, já meio acalorado, se utiliza de sua própria bibliografia.

“Se ‘Vossa Excelência’ permitir, citarei meu próprio trabalho, porque afinal não são as fontes que definem sua problemática, mas sim sua problemática que define as fontes... No estabelecimento de séries ‘ as fontes estruturalmente numéricas, reunidas como tais, e utilizadas pelo historiador para responder as questões diretamente ligadas ao seu campo original de investigação’ demonstram uma ‘revolução na consciência historiográfica’. O fato do Brasil, depois do desastre de 1950, nunca mais ter perdido UM jogo para o Uruguai no Maracanã prova que o peso daquela derrota paira até hoje sobre a seleção brasileira, e estes farão o impossível para não repetir a tragédia no final desta copa do mundo, portanto não perderão. Vê se aceita a realidade então ô vacilão!”

Soa o apito. Ambos sentem certo alívio por não seguirem com a discussão, evitando assim com que os ânimos se exaltassem. Não seria a primeira vez que seriam tirados de algum lugar aos tapas. Para o horror de Furet, faltando dez minutos para o fim da partida o Uruguai faz o gol da vitória. Passam-se os minutos restantes e o jogo é encerrado, desencadeando uma catarse de tristeza nacional.
Um Furet cabisbaixo, ladeado pelo sorridente Ricoeur, segue em direção à saída. Ricoeur, agora um pouco arrependido pelas provocações que fez, tenta animar o amigo.

“Ah Furet! Não fique assim meu amigo... Você, historiador, como um leitor dos acontecimentos passados, atribuiu um significado para os eventos que observou – e naturalmente não pôde ignorar o que realmente aconteceu. Como no caso da final de 1950, o passado aconteceu, mas o futuro permanece cheio de possibilidades! Vamos lá, eu te pago uma cerveja antes de pegarmos o avião para a França.”


Furet respondeu com um muxoxo... Não estava com animo para começar um debate. Então seguiram, mais uma vez sem encerrar a discussão, de volta para a terra do croissant.


Ana Claudia Camargo Feliputi - nº USP 6555302 - Noturno

Um comentário:

  1. Muito bom exercício, relacionou bem os conceitos dos autores com o contexto do jogo . Original o modo como utilizou o Furet para acreditar que o Brasil ganharia, tendo em vista o peso da última derrota para o Uruguai e a sua decepção com as possibilidades da História dentro de um processo de longa duração.

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