segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Pra Frente Brasil!

Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!

O grito da polvorosa torcida brasileira ecoava os quatro cantos da cidade do Rio de Janeiro, que festivamente comemorava a grande final da Copa do Mundo de 2014, a sede de mais um confronto que se tornaria lendário para a História do Futebol Brasileiro, revanchista que estava desde a fatídica final de 50.

E lá estava eu, com ingressos na mão e coração acelerado, mas preso na fila do estádio, afinal um acontecimento desta magnitude traz junto todos os infortúnios de um grande evento, e o acesso ao Maracanã não foi diferente. Porém, foi em meio a esta muvuca de entrada, que não pude deixar de escutar uma conversa filosófica, e bem interessante sobre História, de dois figurões gringos que aguardavam na fila logo à frente.

F.F: Que alegria de domingo, não é mesmo meu caro Ricouer? Um domingo dentre tantos ordinários, mas que poderá se tornar de grande valor simbólico aos brasileiros, que desde uma série de eventos desta magnitude, vem buscando mostrar sua soberania de títulos, e poder erguer esta taça finalmente em casa, sonhada ainda mais, desde a derrota para os uruguaios nos anos 50.

P.R: Pois é meu caro Furet, e você sabe que refletindo sobre esta perspectiva, pense no que a consolidação desta narrativa da história da seleção brasileira se fará re-significada no dia de hoje, caso a vitória do Brasil aconteça de fato. Ora, a então derrota que foi em 50, não será um mero retorno factual dado sua conjuntura histórica, mas sim, um marco de relação desta narrativa, que uma nova re-significação a este retorno, enquanto pré-configuração de análise se colocará enquanto sentido para marcar a consciência e existência deste fenômeno, numa mistura de presente deste passado da derrota, e presente do futuro que se lançará para um novo contorno de projeção desta torcida e da história desta seleção. Definitivamente, estes vislumbrarão ainda mais esta supremacia, e poderão reconquistar o gostinho deixado pela revanche, em poder ganhar enfim em casa, dada a conjuntura de cair bem com o time uruguaio no grande final.

F.F: Ah sim Ricouer, posso até entender este caráter de seleção de um recorte para garantir certa inteligibilidade desta sua narrativa, até mesmo porque sem uma perspectiva serial de um antes e um depois e os seus desdobramentos ficará deverás difícil de prover este entendimento que você coloca. Porém, eu acredito que este entendimento, só possa ser facilitado por um método de comparação. As variantes dentro deste fenômeno tornam explícitos traços comuns e destoantes, fornecendo uma coerência de mesma natureza. Acredito que este sentimento narrativo fixado em um raciocínio único, não contempla as diversas combinações das diversas conjunturas dos sujeitos, que esta elástica rede de experiências, expectativas, e projeções agrega em si enquanto superestrutura. O valor do evento da final de 50 tem valor relativo, e é objetivo para compreensão desta história, mas ainda sim, será ele partilhado de um mesmo sentimento por todos, a fim de atingir a compreensão deste todo, desta sua escolha?

 P.R: Mas é claro! A narrativa fornece sentido para algo que não faz sentido. Ela é uma projeção das ações humanas, na tentativa de conter todos os elementos em sincronia. E você poderia até mesmo dizer que esta sincronia é inviável, afinal a cada movimento no tempo no sentido diacrônico, temos uma seqüência de novos encontros inéditos com o mundo e com a experiência de tempo, e, portanto não poderiam se traduzir em fórmulas de nenhuma espécie, a não ser por uma base comparativa dos elementos constitutivos. Porém, pense que através desta identificação dos sujeitos, e por conseqüência a assimilação deste sentimento implícito da narrativa, leva-os a experiência de catarse perante uma mesma significação simbólica e abstrata, tanto do sentir físico dos sentidos, ou da racionalização conceitual. Se de fato a narrativa não pode considerar a todas as variantes para atingir esta estrutura, a assimilação através da catarse produz o forte elo de identificação dos sujeitos desta história, sem uma cara específica, mas sim de uma abstração de tipo ideal que a todos contempla, quando compartilham deste elemento semiótico. Já diria o refrão: “Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!”. Há assim, um bom indicativo de garantir uma análise de investigação para se pensar a História, ao invés de focarmos um entendimento a partir de combinações variáveis e seriais, como um evento desta magnitude de fato possa proporcionar a história econômica, por exemplo, e seus balanços inflacionários de preços durante a Copa no Brasil, ou as variantes de preços de ingressos e o reflexo da questão do acesso das classes sociais aos jogos de copa do mundo, entre tantas outras possibilidades de comparação.

F.F: Meu caro, este seu método equivocado não garantiria este entendimento que você propõe. Entender a coerência do método comparativo seria como se eu pudesse, por exemplo, buscar a compreensão do que é ser ‘torcida brasileira’. Quando eu penso em torcida brasileira, eu posso atingir um tipo ideal, que ao fim e ao cabo, não é a priori o mesmo que pensar torcida Uruguaia. Algumas coisas as definem e as diferenciam enquanto torcida, então apreendido isto, continuamos a elucubração, aprofundando a questão de então conceituar o que é ser torcida brasileira. Claro que quando eu falo da torcida da final de 50, não posso falar que é a mesma que hoje está nesta fila infinita de entrada, e nem mesmo a torcida do último jogo contra a Alemanha. Uma idéia de torcida é a mesma, porém com contextos diferentes. As variáveis que compõe este todo, especialmente dentro da unidade de tempo, aproximam um possível entendimento da questão, como jogadores de futebol dentro de campo. Se eu trocar o atacante Neymar pelo Alexandre Pato, ainda sim o time do Brasil será do Brasil e não do Uruguai. Diferente claro, mas ainda sim o mesmo. Assim como a seleção de jogadores, as torcidas brasileiras nos variados tempos, e seus sujeitos dos mais diferentes que a compõe enquanto esta animada torcida que hoje vem ao estádio, são variantes, como espécie de vetores de significação desta gigante e elástica rede de relações, que se faz inteligível de diversas formas e diversas possibilidades. Ela possui uma finitude de existência, que poderá a nós não ser jamais revelada, mas que é passível de extrapolar elementos, ainda que em meio às lacunas, na qual destacam a sincronia da estrutura, mesmo que em meio às tantas conjunturas e ao movimento diacrônico da realidade e o devir de transformação das coisas no tempo. Esta catarse promovida pela sua narrativa pode até indicar um ponto de relação, mas utilizá-la como prática, implica numa maior dificuldade de rigor para promover um método que proporcione inteligibilidade deste real que estamos aqui tentando definir. Mas, vamos lá Ricouer, chegou nossa vez de passar pelo detector de metais!

E para lá se foram os dois estádio adentro, e não pude mais acompanhar o que diziam, pois quanto a mim nesta história, as surpresas deste dia só estavam por acontecer. Logo a segui-los pelos detectores, fui barrado pelo segurança que indicava que meu ingresso era falso! – aquele tal Ricouer não poderia estar de todo errado mesmo, afinal todos podem imaginar este tipo de história daquelas de ficar horas na fila, e sentir aquela angústia e revolta de não conseguir entrar, por causa de um ingresso de cambista que nada valia, nas mãos. Mas ainda sim, não posso reclamar de um todo, pois assistir o Brasil ganhar de goleada de 3x0, já de volta ao boteco do bairro junto aos amigos, valia de um grande sentimento:

Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!


Marcelo Fellini Magalhães
Noturno
Número USP 8499102
Professor Vasconcellos

Teoria II

Um comentário:

  1. Texto bem erudito, aprofundou a contraposição entre história narrativa e serial. Poderia ter falado também de história-problema.

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