Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
O grito da polvorosa torcida brasileira ecoava os quatro
cantos da cidade do Rio de Janeiro, que festivamente comemorava a grande final
da Copa do Mundo de 2014, a sede de mais um confronto que se tornaria lendário
para a História do Futebol Brasileiro, revanchista que estava desde a fatídica
final de 50.
E lá estava eu, com ingressos na mão e coração acelerado, mas
preso na fila do estádio, afinal um acontecimento desta magnitude traz junto
todos os infortúnios de um grande evento, e o acesso ao Maracanã não foi
diferente. Porém, foi em meio a esta muvuca de entrada, que não pude deixar de
escutar uma conversa filosófica, e bem interessante sobre História, de dois
figurões gringos que aguardavam na fila logo à frente.
F.F: Que alegria de domingo, não é mesmo meu caro Ricouer? Um
domingo dentre tantos ordinários, mas que poderá se tornar de grande valor
simbólico aos brasileiros, que desde uma série de eventos desta magnitude, vem
buscando mostrar sua soberania de títulos, e poder erguer esta taça finalmente em
casa, sonhada ainda mais, desde a derrota para os uruguaios nos anos 50.
P.R: Pois é meu caro Furet, e você sabe que refletindo sobre
esta perspectiva, pense no que a consolidação desta narrativa da história da seleção
brasileira se fará re-significada no dia de hoje, caso a vitória do Brasil
aconteça de fato. Ora, a então derrota que foi em 50, não será um mero retorno
factual dado sua conjuntura histórica, mas sim, um marco de relação desta
narrativa, que uma nova re-significação a este retorno, enquanto pré-configuração
de análise se colocará enquanto sentido para marcar a consciência e existência
deste fenômeno, numa mistura de presente deste passado da derrota, e presente
do futuro que se lançará para um novo contorno de projeção desta torcida e da
história desta seleção. Definitivamente, estes vislumbrarão ainda mais esta supremacia,
e poderão reconquistar o gostinho deixado pela revanche, em poder ganhar enfim
em casa, dada a conjuntura de cair bem com o time uruguaio no grande final.
F.F: Ah sim Ricouer, posso até entender este caráter de
seleção de um recorte para garantir certa inteligibilidade desta sua narrativa,
até mesmo porque sem uma perspectiva serial de um antes e um depois e os seus
desdobramentos ficará deverás difícil de prover este entendimento que você
coloca. Porém, eu acredito que este entendimento, só possa ser facilitado por
um método de comparação. As variantes dentro deste fenômeno tornam explícitos
traços comuns e destoantes, fornecendo uma coerência de mesma natureza.
Acredito que este sentimento narrativo fixado em um raciocínio único, não
contempla as diversas combinações das diversas conjunturas dos sujeitos, que esta
elástica rede de experiências, expectativas, e projeções agrega em si enquanto
superestrutura. O valor do evento da final de 50 tem valor relativo, e é objetivo
para compreensão desta história, mas ainda sim, será ele partilhado de um mesmo
sentimento por todos, a fim de atingir a compreensão deste todo, desta sua escolha?
P.R: Mas é claro! A
narrativa fornece sentido para algo que não faz sentido. Ela é uma projeção das
ações humanas, na tentativa de conter todos os elementos em sincronia. E você
poderia até mesmo dizer que esta sincronia é inviável, afinal a cada movimento
no tempo no sentido diacrônico, temos uma seqüência de novos encontros inéditos
com o mundo e com a experiência de tempo, e, portanto não poderiam se traduzir
em fórmulas de nenhuma espécie, a não ser por uma base comparativa dos
elementos constitutivos. Porém, pense que através desta identificação dos
sujeitos, e por conseqüência a assimilação deste sentimento implícito da
narrativa, leva-os a experiência de catarse perante uma mesma significação
simbólica e abstrata, tanto do sentir físico dos sentidos, ou da racionalização
conceitual. Se de fato a narrativa não pode considerar a todas as variantes
para atingir esta estrutura, a assimilação através da catarse produz o forte
elo de identificação dos sujeitos desta história, sem uma cara específica, mas
sim de uma abstração de tipo ideal que a todos contempla, quando compartilham deste
elemento semiótico. Já diria o refrão: “Todos ligados na mesma emoção, tudo é
um só coração!”. Há assim, um bom indicativo de garantir uma análise de
investigação para se pensar a História, ao invés de focarmos um entendimento a
partir de combinações variáveis e seriais, como um evento desta magnitude de
fato possa proporcionar a história econômica, por exemplo, e seus balanços inflacionários
de preços durante a Copa no Brasil, ou as variantes de preços de ingressos e o reflexo
da questão do acesso das classes sociais aos jogos de copa do mundo, entre
tantas outras possibilidades de comparação.
F.F: Meu caro, este seu método equivocado não garantiria este
entendimento que você propõe. Entender a coerência do método comparativo seria
como se eu pudesse, por exemplo, buscar a compreensão do que é ser ‘torcida
brasileira’. Quando eu penso em torcida brasileira, eu posso atingir um tipo
ideal, que ao fim e ao cabo, não é a priori o mesmo que pensar torcida
Uruguaia. Algumas coisas as definem e as diferenciam enquanto torcida, então apreendido
isto, continuamos a elucubração, aprofundando a questão de então conceituar o
que é ser torcida brasileira. Claro que quando eu falo da torcida da final de
50, não posso falar que é a mesma que hoje está nesta fila infinita de entrada,
e nem mesmo a torcida do último jogo contra a Alemanha. Uma idéia de torcida é
a mesma, porém com contextos diferentes. As variáveis que compõe este todo,
especialmente dentro da unidade de tempo, aproximam um possível entendimento da
questão, como jogadores de futebol dentro de campo. Se eu trocar o atacante
Neymar pelo Alexandre Pato, ainda sim o time do Brasil será do Brasil e não do
Uruguai. Diferente claro, mas ainda sim o mesmo. Assim como a seleção de jogadores,
as torcidas brasileiras nos variados tempos, e seus sujeitos dos mais diferentes
que a compõe enquanto esta animada torcida que hoje vem ao estádio, são
variantes, como espécie de vetores de significação desta gigante e elástica
rede de relações, que se faz inteligível de diversas formas e diversas
possibilidades. Ela possui uma finitude de existência, que poderá a nós não ser
jamais revelada, mas que é passível de extrapolar elementos, ainda que em meio às
lacunas, na qual destacam a sincronia da estrutura, mesmo que em meio às tantas
conjunturas e ao movimento diacrônico da realidade e o devir de transformação
das coisas no tempo. Esta catarse promovida pela sua narrativa pode até indicar
um ponto de relação, mas utilizá-la como prática, implica numa maior
dificuldade de rigor para promover um método que proporcione inteligibilidade
deste real que estamos aqui tentando definir. Mas, vamos lá Ricouer, chegou
nossa vez de passar pelo detector de metais!
E para lá se foram os dois estádio adentro, e não pude mais
acompanhar o que diziam, pois quanto a mim nesta história, as surpresas deste
dia só estavam por acontecer. Logo a segui-los pelos detectores, fui barrado
pelo segurança que indicava que meu ingresso era falso! – aquele tal Ricouer
não poderia estar de todo errado mesmo, afinal todos podem imaginar este tipo
de história daquelas de ficar horas na fila, e sentir aquela angústia e revolta
de não conseguir entrar, por causa de um ingresso de cambista que nada valia, nas
mãos. Mas ainda sim, não posso reclamar de um todo, pois assistir o Brasil
ganhar de goleada de 3x0, já de volta ao boteco do bairro junto aos amigos, valia
de um grande sentimento:
Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
Marcelo Fellini Magalhães
Noturno
Número USP 8499102
Professor Vasconcellos
Teoria II
Texto bem erudito, aprofundou a contraposição entre história narrativa e serial. Poderia ter falado também de história-problema.
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