Nem todos se rendem facilmente aos
encantos do futebol. Há quem o chame de “ópio do povo”, acompanhando nosso
velho amigo Marx; nada além de um instrumento de dominação do povo. Outros
dizem que é algo inútil, improdutivo, que não acrescenta nada à economia e a
cultura do país, um esforço ou um investimento que não traz retorno à
sociedade... Nada além de 22 pessoas correndo loucamente atrás de uma bola.
Mas não eles. François Furet e Paul
Ricoeur são entusiastas, adoram uma partida de futebol. Compelidos pelo furor
da Copa do Mundo FIFA 2014, compraram suas passagens para o Brasil, e as
entradas para os jogos mais importantes.
Coincidentemente, os dois se
encontram no último jogo, no meio da multidão.
Furet: Ricoeur, é você cara??
Ricoeur: Furet, meu velho! Que
surpresa te ver aqui...
Furet: E ainda bem que eu vim! Final sul-americana,
Brasil e Uruguai. Parece que aquele povinho da esquerda tinha razão em alguma
coisa... No futebol, o terceiro mundo TÁ COM O PODER!!
Ricoeur: Hahaha... é verdade... Foi
difícil escolher um lado pra esse jogo. Porque você vai torcer pro Brasil,
falando nisso?
Furet: Ah, tem que prestigiar o
freguês, né?
Ricoeur: Olha... Num carrega na
narrativa dos fatos!
Furet: Em jogos amistosos até que
estamos equilibrados, mas nas decisões importantes... Vamos lá: Quartas de
final 1986, TOMA! Final de 1998, nem precisa comentar...
Ricoeur: Aahhh, dá um negócio no
estômago só de lembrar...
Furet: Semifinal da Copa das confederações
2001, Pirès e Desailly, França 2X1 Brasil. Quartas de Final na Alemanha em 2006,
mais um...
Ricoeur: Tá bom Furet, já está
enchendo o saco...
Furet: Eu poderia dar mais detalhes.
Veja bem, pensando na copa na Alemanha...
Ricoeur: Furet... Tá bom. Quando o
assunto é “números”, eu concordo com um amigo meu, o Stone...
Furet: Você conhece aquele mala do
Stone?
Ricoeur: A gente jogou bola juntos um
tempo...
(Enquanto conversavam, eles tomaram
seus lugares na arquibancada geral).
Furet: Vão tocar os hinos! Quer
apostar quanto como todo mundo vai aplaudir no final?
Ricoeur: Ah, isso você pode ter
certeza...
(Depois da execução dos hinos – e dos
aplausos – eles retomam o assunto)
Ricoeur: Mas enfim, o que gosto mesmo
é dos comentários depois do jogo, os programas de debate que vêm depois... Eu
ouvi cada jogo com um narrador diferente, depois acompanhei as discussões,
também em programas de esportes diferentes. Hoje vou ouvir o Galvão.
Furet: Galvão? Não é aquele
passarinho que estava em extinção e tinha um pessoal no youtube fazendo
campanha pra salvá-lo?
Ricoeur: Ah não, isso aí foi trolagem
dos brasileiros, parece que não gostam muito dele por aqui.
Furet: E como iam gostar? Você vai
mesmo ficar pendurado nesse Iphone ouvindo bláblábláblá.... E depois vai pra
casa ver TV e mais blá bláblábláblá....
Ricoeur: Mon ami, você e sua mania... Não há nada mais fascinante no futebol
do que os programas esportivos. O que vemos daqui, dos nossos lugares? É tudo
meio distante, pequeno... Você se distrai aprendendo uma música da torcida e
perde uma falta. É necessário juntar os pedaços, rever os impedimentos, os
pênaltis, colocar uma ordem. Só assim pra saber quem jogou melhor!
Furet: SÓ ASSIM?? Você tá brincando,
né? A melhor forma de saber quem jogou melhor é pelo placar, mon ami.
Ricoeur: Discordo totalmente...
Mantenho minha teoria!
Furet: Tudo bem, o placar pode não
ser o melhor meio, mas a porcentagem de posse de bola, o número de faltas, de
finalizações... e aí? E AÍ??
Ricoeur: Falando em finalizações,
olha o Neymar aí!
(Voltam a atenção ao campo).
Furet: Me empresta um fone aí?
Ricoeur: Ah, agora você ouvir!
Furet: Caralho, dá o fone logo!
Galvão: Correeeeeeuuuu, Bateeeeu....
GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!!!!!!!!!!!! ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ.... Do Neymar! O melhor de
todos os tempos, o menino que conquistou o mundo, o mais veloz, o mais I´m too sexy for my shirt, é ele...
Furet: Aff, agora eu entendo a piada
do youtube.
Ricoeur: Por isso os programas de
debates são importantes. Colocar ordem nesse caos. Isso não pode ser medido em
suas estatíscas...
Furet: Ah, cala a boca, É
GOOOOLLL!!!!! Vai dizer que foi por meio da narrativa que você escolheu torcer
pro Uruguai??
Ricoeur: Você, como sempre,
descartando elementos importantes... Está se esquecendo do TEMPO, mon ami, o jogo ainda não acabou, espere
até o final. Onde haverá a catarse. No seu caso, sofrimento brasileiro, no meu,
a glória uruguaia!
Furet: Alguém tem gelol aí? Mon ami aqui está com os cotovelos doendo...
(minutos depois, Furet já rendido
pelo fone, ouve o jogo junto com Ricoeur).
Galvão: Correu chutou... Gooll... Mas
o que é isso Júlio Cézar??
Ricoeur: GOOOOOOOOLLLLL!!!! Golaço do
Forlán, mon ami...
Furet: Sorte....
Ricoeur: Ooooooooooo, o freguês
voltoooooou... 1950 voltooooo....OOOOOOOO.... É um déjà vu? Em defeito na
Matrix?
Furet: Ué?? Quem que estava dizendo
que o jogo acaba quando acaba??
Ricoeur: A catarse do sofrimento já
te pegou amigão? Muahahahaha...
Furet: Pelo contrário, mon ami, voltamos ao quantitativo!
Faltam dois minutos e, obviamente, vamos acabar em pênaltis! E aí é quem marca
mais!
Ricoeur: ODEIO disputa de pênaltis.
Como diria meu amigo Ari, a tragédia deve ter “alguma” extensão... E a extensão
do futebol são 90 minutos... Já é suficiente, olha pra nós: já estamos
totalmente envolvidos com nossos times e jogadores.
Furet: Vamos lá, que comece o
massacre!
Talita Damaceno Rodrigues, 6584733
Cara Talita,
ResponderExcluirprimeiramente, gostaria de elogiar a maneira descontraída e coloquial que você empregou em seu texto. Embora se trate de um diálogo entre dois intelectuais, a opção pela oralidade denota que você se preocupou com a problemática do contexto.
A menção ao caráter sul-americano da final constitui, a meu ver, uma grande sacada: contempla a problemática das opções da esquerda francesa pelos potenciais agentes da revolução, amplamente explorada por François Furet.
Percebe-se também um esforço de pesquisa (ou uma memória privilegiada, um “presente do passado”, como diria Ricoeur??) nas ocasiões em que você menciona os resultados de jogos em edições passadas da Copa. Essas ocasiões serviram para que você abordasse os aspectos da história quantitativa no interior do pensamento de François Furet.
Acho muito profícua a atenção que você dispensa aos programas esportivos. Foi realmente uma grande sacada de sua parte utilizar tais programas como “matéria-prima” de sua análise. Você diz que tais programas conferem “ordem” aos fatos. E como o fazem? Justamente ao tecer intrigas, criar narrativas sobre os jogos. Seguindo a mesma linha de raciocínio, você afirma: “Só assim pra saber quem jogou melhor!” Esta frase constitui uma clara alusão às ideias de Ricoeur de que o término da narrativa – não o fim cronológico propriamente dito! – confere significado aos acontecimentos dispostos na trama.
Achei muito pertinente também a menção à catarse, devidamente enquadrada no âmbito da identificação sentimental com o futebol em geral e com equipes e seleções em particular. O futebol, como bem observado, propicia o afloramento de sentimentos intensos na imensa maioria das pessoas. E não poderia ser diferente: a Poética de Aristóteles trata, afinal, da arte. Não há consenso de que o futebol também é uma arte?
Explorou pouco os conceitos e manteve o tom excessivamente coloquial. Poderia ter aprofundado o conceito de narrativa para ambos, fazendo a contraposição de maneira mais clara.
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