segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ficção ou História?

Paul Ricoeur: Um brinde a esse espetáculo maravilhoso! Meu caro amigo, você está vendo a mesma coisa do que eu? O estádio lotado, as pessoas estão enlouquecidas e todos querem a mesma coisa: o hexa. O que presenciaremos hoje, será um momento histórico, pode apostar!
François Furet: Você e essa maldita mania de romantizar tudo. Você, como um renomado historiador deveria deixar de tolices. Esse jogo por si só ainda não é histórico, precisa-se levar em consideração ele dentro de uma temporalidade, comparando a outros jogos e caso ele seja passível de problematização, aí sim, pode-se considerá-lo histórico. Enquanto isso não ocorre, é apenas um jogo.
PR: Tolices?! Por favor, Furet. Não me venha mais uma vez com a sua teoria de que as finais de campeonato são previsíveis. Logo você, que é conhecido como o maior vira casaca da França! Futebol não são números, é uma questão de momento.
FF: Eu não sou vira casaca, apenas utilizo dos dados para comprovar quem será o campeão.
PR: E foi assim que você perdeu todas as apostas do campeonato francês das últimas quatro temporadas! Você ainda não aprendeu que futebol, ainda mais mata-mata, pode acontecer qualquer coisa?
FF: Devo contestá-lo, mais uma vez. Talvez, você me entenda melhor se eu recorrer aos seus métodos poéticos. Lembra-se de 1950? O Brasil era o favorito para conquista do seu primeiro título. Aqui, nesse mesmo estádio, mas no final do segundo tempo eles levaram um gol e o Uruguai acabou campeão. A final só foi histórica exatamente por isso, porque em casa, sendo favorito, precisando apenas de um empate para levantar a taça, o Brasil perdeu. Dentro da história das copas, isso foi relevante e problematizável.
Bola no meio de campo. O juiz apita o início da partida. A torcida está ensandecida, mais uma vez, o Brasil entra como favorito ao título.
PR: TIRA! TIRA! TIIIIIIIIIRA! Furet, você pode até chegar em algum lugar com a sua argumentação, mas pelo amor de Deus, me deixa assistir esse jogo que nós quase tomamos um gol!
FF: Vocês. Hoje, eu sou Uruguai. Você viu a campanha deles? Eles estão imbatíveis e a zaga está no melhor momento. Na semi-final, contra a Alemanha, eles neutralizaram o esquema tático, fizeram vinte desarmes, quinze faltas, dois gols e não sofreram nenhum. O Muslera catou muito.
PR: GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL! Ó lá. Cadê suas estatísticas agora? O Brasil se classificou sofrendo, mas depois, meu amigo, mostrou o porquê de ser pentacampeão mundial. Se você quer falar de números, tudo bem, mas eu prefiro falar disso daqui que nos cerca, do presente fugaz que se esvai. E é exatamente essa efemeridade que aloca as experiências humanas, que é relevante para esse jogo, além do lindo gol do Oscar. Se você quer números, eu te dou números: Brasil 1 x 0 Uruguai.
FF: Muito engraçadinho. Seguindo sua linha agostiniana, então, lhe digo que esse mesmo tempo fugaz que, por um momento, lhe dá tantas alegrias a qualquer momento pode lhe trazer tristezas. Passou-se só vinte e cinco minutos do primeiro tempo, ainda podemos lidar com as potencialidades. FALTA! JUÍZ LADRÃO. Com o juiz do lado de vocês, fica fácil ganhar.
PR: Não disse que estava demorando para você começar a chorar? Para de ser um mau perdedor, porque suas estatísticas nunca funcionam. O que importa é o resultado.
FF: Então você concorda comigo!
PR: Sim e não. Se por um lado o objetivo do futebol como de qualquer outro jogo é ganhar e para tal o que importa é o resultado final; não se pode ignorar o que esses meninos fazem em campo. Faz anos que eu não vejo o Brasil jogar como tem jogado nessa última copa. Eles brincam com a bola, eles têm malemolência, ou melhor, gingado. É a paixão que move as ações humanas e, portanto, o tempo e a História.
FF: É exatamente isso que eu não consigo entender em você. Você é um cientista, você deveria se apegar aos dados que esses, sim, podem lhe dar algo para problematizar e não lidar com as inúmeras narrativas possíveis.
Ricoeur interrompe brevemente a conversa para buscar duas caipirinhas. Nesse meio tempo, o Uruguai faz um gol com Forlán. Ele volta cabisbaixo ao seu lugar com um saco de pipocas e as bebidas. Furet o recepciona com uma gargalhada.
FF: Tô te dizendo. Essa copa é nossa. Percebo que você está tenso.
PR: E não tem motivo para não estar? Copa de 1950. Final do segundo tempo, Brasil leva mais um gol do Uruguai e perde o título. Não quero ver esse estádio silencioso, mais uma vez. Agora, é esperar o tempo passar devagar enquanto o Brasil não faz outro gol.
Os dois ficam em silêncio enquanto ouvem ao fundo um sucesso das rádios brasileiras que, também, fazia sucesso na Europa, mesmo assim, esse momento não foi o suficiente para dissipar o clima de tensão que pairava sob os dois. Começa o segundo tempo. O jogo está morno, os dois aproveitam para retomar a conversa.
FF: É, meu amigo. Agora o futuro está em aberto. De novo temos apenas duas possibilidades: um dos dois sairá campeão. Ó, teve substituição, saiu o Fred e entrou o Hulk. Vish, agora que vocês vão perder mesmo!
PR: Para de zicar! Tem muito jogo pela frente. Estava eu pensando: você já pensou sobre quantas narrativas vão ser construídas a partir daqui. Milhares. Uma diferente da outra. Isso é maravilhoso!  
FF: Isso não é História. UUUH, não acredito que o Lugano errou essa cabeçada! Falta experiência empírica, vocês abrem a todas as potencialidades e esquecem da História-problema que deve ser devidamente temporalizada. Só assim, a partir dos acontecimentos ordinários conseguiremos perceber as transformações que ocorreram ao longo do tempo.
PR: Essa foi por quase! Você só se esqueceu do principal: a narrativa é a mimisis disso daqui. Por meio das inúmeras narrativas e da descrição é que podemos das forma para tudo o que vivemos aqui, caso contrário, serão apenas acontecimentos e dados que nunca ganharão um corpo.
FF: Mas isso é ficção. Quer saber de uma coisa? Deixa isso para lá, não chegaremos a nenhum consenso.

PR: Finalmente! Achei que você nunca me deixaria ver o jogo.

Beatriz Linberger dos Anjos Oiveira
Nº USP: 7198199

Um comentário:

  1. Texto bom, conseguiu articular conceitos dos autores à interpretação da partida, manteve Ricoeur no lugar da "desordem" e o Furet no da "ordem", como em outros posts. Os argumentos ficaram coerentes - preocupação de Furet com resultados, números, problematização e a de Ricoeur com o desenrolar das paixões.

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