Final
da Copa do Mundo de 2014. Maracanã, décimo minuto do segundo tempo
do jogo entre Brasil e Uruguai, jogo empatado um a um. Paul Ricouer
está em seu assento na arquibancada, enquanto seu companheiro de
jogo, François Furet, está voltando do banheiro.
Ricouer:
Pô Furet! Você perdeu um lance incrível, quase que o Brasil faz
gol e reverte o placar: o Lugano tocou a bola...
Furet:
Ah, não há problemas, se não houve gol e o placar não foi mudado
não faz diferença se a jogada foi boa ou não - não foi um
acontecimento importante para o jogo...
Ricouer:
Como você pode falar isso Furet? O jogo é feito do desenvolvimento
dos jogadores em campo, as jogadas incríveis, roubadas de bola,
dribles e passes - resultando em gols ou não. Se fosse apenas pelos
resultados em gols, para que vir ao estádio então? Melhor ver a
manchete no jornal de amanha...
Furet:
Ah Ricouer, não me leve a mal, é lógico que todos os lances são
importantes, eles fazem parte de uma sequência de fatos que ao final
levam ao resultado do jogo: mas não há comparação entre os fatos
decisivos dos jogos e os triviais!
Ricouer:
Meu amigo, todos os eventos tem importância numa cadeia de fatos que
se interligam: tais eventos só tem importância ligados ao
desenvolvimento dessa cadeia de fatos, concordo, mas a cadeia de
fatos ganha tal importância por todos esses eventos que há contém.
Uma falta, ou um cartão equivocado do juiz fornece uma impressão
totalmente diferente a um gol posterior do outro time. Pode ter
certeza que depois de um cartão amarelo injusto em um jogador
brasileiro, um gol do Brasil terá um impacto muito maior na torcida;
uma vitória “de virada”, como já diria os gritos de torcedores,
é sempre mais gostosa. Os números não falam por si só, a forma
como as ações se desenvolve também tem a sua importância...
Furet:
Mas no final, o que importará? De que valerá várias jogadas
geniais se ao final o campeão é aquele que fizer mais gols! Todo
esse jogo tem um propósito: vencer a Copa! Esse é o final dessa
história...
Ricouer:
Você e essa sua mania de
números! Mas você sabe, caro amigo, que essa história não
começou hoje, não é mesmo?
Furet:
Como assim?
Ricouer:
Pô! Historiador e não sabe
que há 64 anos atrás o Brasil e Uruguai disputaram a final da Copa
de 1950 nesse mesmo estádio, e que, de virada o Uruguai ganhou do
Brasil. Foi um jogo espetacular! A equipe brasileira, que vinha tendo
uma atuação impecável nos jogos, era considerada a favorita à
vitória, e de virada, aos trinta e quatro minutos do segundo tempo
Uruguai faz o gol da virada e vence o jogo...
Furet:
Sou historiador não uma
enciclopédia! Não tenho obrigação de lembrar todos os
acontecimentos e não acho que uma partida esteja relacionada com a
outra...
Ricouer:
Calma Furet, este jogo está te
deixando muito nervoso; foi só uma provocaçãozinha amigável, uma
brincadeira. Só queria trazer o passado ao tempo presente para
mostrar como todas essas ações estão interligadas: olha esse
estádio, olha a vibração das pessoas, a pressão torcida, a tensão
dos jogadores; a lembrança daquele jogo está presente aqui meu
amigo, aquele jogo contextualiza essa competição acirrada que vemos
hoje aqui em campo e na torcida...
Furet:
Estou calmo, estou calmo... mas
você está sendo anacrônico! Uma coisa foi o jogo em 1950, outra
coisa é esse jogo de 2014, dois eventos que se desenvolvem em
contextos históricos diversos, e se não pensarmos nos sessenta e
quatro anos que os separam e os acontecimentos nesse período,
aproximá-los não faz sentido algum. Acho infrutífera essa
aproximação que gosta de fazer, o futebol é uma narrativa, a
história um problema – ou melhor, a história deve ser
problematizada. É muito simplista trabalhar com o desenvolvimento
histórico como um encadeamento de fatos, e não estou de acordo
também com essa sua forma de encadear os fatos de forma não linear
quebrando com a cronologia; se formos pensar em uma história
narrativa, a função dela é estabelecer uma rede de acontecimentos
– começo, meio e fim – extraindo assim o sentido singular do
acontecimento dentro dessa narrativa e finalmente produzindo o
encerramento da história. Contudo você sabe que acho esse modelo de
história não abrange a complexidade das estruturas...
Ricouer:
Estamos no final desse jogo
emocionante e você vem me falar em teoria da história? Não acha
que existam outros momentos para discutirmos isso? Um simpósio,
congresso ou mesa de um bar?
Furet:
Foi você que trouxe a história para a conversa, só estou
desenvolvendo...
Ricouer:
Erro meu, erro meu, deixemos
para uma mesa de bar... OLHA LÁ! Olha lá! Acho que vai sair um...
GOOOOOOOOOOOOOOL.
Grazieli Chirosse Batista
NºUSP: 6837706
Noturno
Grazieli Chirosse Batista
NºUSP: 6837706
Noturno
O texto está muito claro, gostoso mesmo de ler. Além de tudo, a estratégia de utilizar os lances do jogo pra pensar os conceitos foi muito, muito interessante.
ResponderExcluirboa relação entre a história quantitativa e a tomada de decisão da importância dos fatos.
ResponderExcluirCecilia Salamon
Noturno
6080001
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBom texto, simples e fluído. Atendeu à proposta inicial, porém poderia ter explorado mais as reflexões de Ricoeur sobre narrativa e tempo. Diferente de outros posts, você optou por não relacionar os eventos de 1950 e 2014 numa mesma estrutura, tendo em vista diferentes contextos. Interessante esse outro olhar que você trouxe.
ResponderExcluirObs- "Taís-história" é a estagiária. "Taís Araújo" é o perfil coletivo do blog.
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