segunda-feira, 7 de outubro de 2013

1950: O Presente-Passado

Estádio do Maracanã lotado, a torcida com o coração na mão. Eles não aguentam mais esperar. Querem a vingança, mas sentem medo. Medo de outra vergonha na própria casa. O passado está mais presente do que nunca.

Enquanto isso, duas presenças inesperadas para esta partida de futebol. Não só porque são franceses e a seleção deles não está no jogo, mas são um Historiador e um Filósofo que estão presentes dentro do Estádio. 

Furet: Olá caro migo, desculpe-me pelo atraso! Ando sem tempo nos últimos dias.

Ricoeur: Não sabia que você era detentor do tempo, e que agora não o possui mais.

Furet: Meu caro, você entendeu muito bem o que lhe disse. Tente esquecer um pouco Santo Agostinho. Pelo menos hoje. 

Ricoeur: Está bem, mas não é fácil. Será que o Brasil ganhará hoje? Ouvi dizer que os brasileiros temem ao “passado”.

Furet: Pois é, o Uruguai foi campeão em cima do Brasil em 1950, logo aqui, neste Estádio de Futebol.

Ricoeur: Bobagem, como podem pensar nisso? 

Furet: Por que bobagem? Não fale assim deles? 

Ricoeur: Digo isso porque, através das minhas reflexões a partir das de Santo Agostinho...

Furet: Lá vem você de novo com Santo Agostinho!

Ricoeur: o passado não existe em si mesmo, ele só existe na memória. É a Dialética dos Três Presentes. Já ouviu falar?

Furet: Quero ouvir você falar.

Ricoeur: Pois bem, Santo Agostinho buscava compreender a eternidade, portanto ele buscou compreender primeiro o que é o tempo. Pois o tempo é destituído de ser, ele não existe em si mesmo. O tempo é o tempo humano, só existe porque percebemos a passagem do tempo.

Furet: Um animal não sabe sobre o tempo porque ele não percebe a passagem do próprio tempo. Será que eu entendi?

Ricoeur: Chegou lá.

Furet: Mas e a tal da “Dialética” que você tanto citou?

Ricoeur: Partindo deste princípio de tempo, Agostinho definiu três presentes: o presente passado, presente presente e presente futuro. O presente passado ocorre porque o passado não existe em si mesmo, ele se situa no presente, na memória. O presente do presente define-se como a atenção. O Presente futuro é a expectativa.

Furet: Agora eu entendi. Você diz que é “bobagem” os brasileiros ficarem com medo considerando a final de 1950 porque é apenas um passado, não existe em si mesmo, só existe na memória. O presente presente é a atenção, este é o verdadeiro ponto para agora na hora do jogo. Ocorrendo, posteriormente, uma expectativa, o presente futuro.

Ricoeur: Mais do que isso, Agostinho fala da Distensão e Estensão do tempo, sendo a Distensão a paixão e a Estensão a ação. Percebendo o tempo, que é a paixão, posso fazer o meu tempo, a ação.

Furet: Isto é alguma fórmula para a Seleção Brasileira neste jogo?

Ricoeur: Pode até ser.

Furet: Com toda certeza 1950 foi um acontecimento histórico. Com suas causas e efeitos. Uniu o passado, presente e futuro. Mas neste caso não foram os historiadores que precisaram dar significados para este acontecimento.

Ricoeur: Significados para o acontecimento?

Furet: Enquanto estive analisando a chamada História Narrativa me chamou atenção o fato da construção narrativa de um acontecimento. Pois o acontecimento adquire significados a partir do momento de integração em outros acontecimentos, sendo um acontecimento significativo em meio a outros acontecimentos, em meio ao tempo. A problematização deste fato histórico, como o de 1950, não é explicitada. Sinto muito vago este fato. É somente uma narrativa histórica, sendo citado apenas este momento. Eles não percebem que entre 1950 e hoje há algo mais que além do próprio medo? 

Ricoeur: Acho que não. O futebol não pede isso.

Furet: Estou vendo, para eles a discussão de tempo se limita somente para saber quantos minutos o juiz dará de acréscimo. A narração se limita aos berros do narrador de futebol.

Ricoeur: História Narrativa e tempo, bacana, tenho algumas opiniões sobre narrativa. 

Furet: Sou um Historiador, não posso rejeitar estes assuntos.

Ricoeur: História é mesmo uma ciência incrível!

Furet: Em algum momento me expressei sobre a História ser uma ciência?

Ricoeur: E não é?

Furet: Em minha opinião, tendo em vista que o objeto da História, seu saber, é o tempo, sendo ele indeterminado, não podemos chama-la de ciência.

Ricoeur: Entendi. Pelo jeito você conhece bem sobre tempo, e narrativa também. Já leu a obra de Aristóteles, a Poética?

Furet: Você leu? O que achou sobre este assunto?

Ricoeur: Achei interessante em vários aspectos, mas o que me chamou atenção é a importância da narrativa - fazendo até uma ponte com que você falou da História Narrativa - a narrativa é um elemento importante porque dá sentido a própria vida que é um conjunto de acontecimentos sem ordens, desordenados. 

Furet: Pois é, o historiador da História Narrativa busca, por meio do tempo de seu recorte, dar significado aos fatos dentro da sua construção narrativa.

Ricoeur: Isso mesmo, 1950 e 2014, estão ou não ligados? Já discutimos sobre isso, agora o jogo está para começar. 

Furet: Bem que poderíamos discutir sobre a final de 1998-2014, e não 1950-2014.

Ricoeur: Seria mais interessante! Quem sabe em 2018!!!

Rafael Vieira Domingos, nº USP: 8612150

Um comentário:

  1. Bom texto, optou pelo diálogo mais amigável e didático entre os dois, trabalhando os conceitos, porém não utilizou a partida de futebol como forma de expressar as diferenças entre os dois. Poderia ter acoplado a discussão realizada ao desenrolar da partida e interpretação dela feita por cada um dos autores, enquanto acontecimento.

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